Um profundo silêncio

Luciana Frassati

São cinquenta anos que Pier Giorgio nos deixou; todavia, meu discurso se torna sempre mais denso e vislumbra cada vez mais as nuances daquele que foi o seu. Pareceria quase orgulho afirmar isso; mas apenas após ter a ciência aprofundada e amadurecida pelo tempo, considero hoje complacentes e apressados os julgamentos dados sobre meu irmão naquele longínquo ano santo de 1925.
Hoje, de repente, no retorno deste grande acontecimento, se descobre nele o eco exultante e ao mesmo tempo meditativo que o induziu escrever: ”A paz esteja em sua alma… qualquer outro dom que se possua nesta vida é vão como vãs são todas as coisas do mundo”. Este é o leitmotiv que invade seu animo nos meses que antecederam aquele terrível 4 de julho, leitmotiv ao qual quase em contraponto ele colocava outro: “ Agora estou próximo de colher o que plantei”.
Dois meses depois já havia colhido. O que? Um funeral, se pode responder, que deu à sua humildade o tom do triunfo; mas não era que um sinal, digo melhor, um alarme, para aqueles que chegaram até a considerá-lo um pobre ser que não tinha nada de melhor para fazer do que ir à igreja todos os dias”. Aquele triunfo era um sinal de conforto e ao mesmo tempo de consternação; e não por acaso foram os pobres a revelá-lo e apenas eles, entre os quais a sua bela figura alcançava o anonimato, às vezes carregada de problemas, mas sempre atenta na participação ativa e concreta dos problemas deles.
Quais virtudes tinha então Pier Giorgio escondido de nós que nem mesmo naquele grande momento nos sentíamos aterrorizados pela avalanche da incompreensão com a qual poderíamos tê-lo sufocado se ele não tivesse estado em contato direto com uma compreensão bem superior, preparada a perdoar também a falta da nossa? Sob essa luz de misericórdia sobrehumana, Pier Giorgio teve o dom de compreender a tudo e a todos.
Nos foi dado apenas hoje conhecer aquele jovem, obscuro até julho de 1925? Parecia fácil na época descobrir a sua lealdade, sua pureza e sua coragem – mesmo nos sendo desconhecidos os vários episódios inerentes a elas – já que ele era, ouso dizer, a expressão física desses três raros dons, suficientes para catalogá-lo entre os” bons”.
Apesar de agraciado com outras benemerências, ele continuou, no decorrer destes cinquenta anos, a ser considerado tal, mas ninguém soube a que preço de solidão e tolerância do sarcasmo alheio (para usar uma palavra um pouco forte, porém orientadora), ele conquistou e teve seladas suas grandes virtudes. Portanto, apenas através do mosaico de centenas de testemunhos e sobretudo de pensamentos colhidos nas cartas, se pode compor sua verdadeira personalidade, forjada às vezes por fatores contrastantes que unidos formam um maravilhoso todo, difícil de expor de forma breve.
Nas cartas pode-se descobrir o menino, o jovem do quotidiano que, já estudante do Politécnico, não esquece, por exemplo, nas saudações, de nomear um a um os serviçais, os amigos da casa, concluindo muitas vezes seus textos com o envio de aperto de patas àqueles personagens muito próximos a ele, os animais. Ingênuas expressões de afeto, quase nostálgicas, ele expressou sobretudo na sua estada em Freiburg im Bresgau, quando, filho do embaixador da Itália em Berlim, hóspede da família Rahner , não surpreende nem a dona da casa – hoje centenária – ajudando-a a colher batatas em uma plantação longínqua da bela cidade alemã.
É mesmo das cartas que partem de um Pier Giorgio conhecido que se consegue descobrir aquele desconhecido. Nos encontramos como diante de um motor destinado apenas a tocar o chão e que improvisamente alça voo. Os voos de Pier Giorgio. Quais eram? Não certamente daquele jovem montanhês que coloca o pé em falso nas faldas das montanhas, mas de um guia seguro em direção à meta após os percalços do caminho. Ele treina para poder “no dia da colação, escalar o Cervino” ( N.T. : Cervino é um alto pico dos Alpes). A agonia, a pouco tempo de distancia do coroamento de seus estudos, que teriam permitido que ele, como engenheiro de mineração, descesse entre aqueles a quem eram proibidos auroras e crepúsculos, foi seu Cervino, seu mais alto pico “em direção à beatificação”.
A caridade assim como a fé, eram para nós como vestes dominicais: para ele foram pão diário, alimento inseparável a ponto de fazê-lo dizer: “ O que seria a fé se não fosse revestida de caridade?”. Declara em suas cartas a primeira como “única e verdadeira alegria”, mantém secreta a outra virtude e se limita quase que a concentrá-la em uma frase: “ Eu nutro uma especial predileção pelo Apostolo da caridade”. Nos perguntamos como aqueles a quem essas cartas foram endereçadas, não tiveram consciência nem por um instante de quem ele era. Como não descobriram a ingenuidade e a genialidade dos santos? A infinita modéstia de Pier Giorgio era selada com uma mordaça tão impenetrável que nem mesmo a poliomielite fulminante conseguiu despedaçar, mas apenas o grande cavalheiro que é o tempo.
E nós? Não fomos mais videntes. Poderia ter coberto as paredes com cantos de Dante, versos de Foscolo e para declamá-los usar como púlpito os pinheiros do jardim, ler São Paulo, Santo Agostinho, São Tomás, e se alguém tivesse dito que era poeta, filosofo, a resposta seria resumida a uma cordial risada. Talvez não a recebesse de mim, quando com apaixonado orgulho de colecionador, respondeu, diante da minha perplexidade sobre o valor dos minerais fechados numa vitrine: irão ao museu?
Vitrine e minerais não apenas foram aceitos pelo Politécnico de Turim, como o professor Cavinato, recebendo-os acompanhados um a um por seu nome latino, testemunhou que nunca lhe tinha ocorrido descobrir em algum de seus alunos tanta e tão diligente paixão. Pier Giorgio a colocava também nas visitas a museus, das quais restam muitos indícios em suas cartas, como o álbum de obras primas admiradas por ele. De pintura se falava em casa, mas apenas ele aprofundou-se.
O arco de sua inteligência abraçava Dante e os minerais; o arco de sua alma a humildade, a fé, e a caridade, tudo acompanhado daquela que ele considerava também virtude: a felicidade. Escrevia-me a 14 de fevereiro de 1925, de Turim:
“Queridíssima, antes de tudo obrigada pela bonita carta… você me pergunta se sou feliz; como não poderia sê-lo? Até quando a Fé me der força, sempre feliz ! um católico não pode não ser feliz : a tristeza deve ser banida das almas católicas; a dor não é a tristeza, que é uma doença pior que qualquer outra. Essa doença é quase sempre produzida pelo ateísmo; mas o objetivo pelo qual fomos criados nos indica um caminho semeado de muitos espinhos, mas não um caminho triste: esse é alegria, também através da dor.”
Sua figura, seu semblante, seu límpido sorriso eram a origem e a razão de cada consenso acima dos possíveis mal entendidos de seus contemporâneos, das mesquinhas disputas dos jovens e acabava sendo a sua vestimenta, aquela mesmo que, ao nascer no sábado santo de 1901, lhe foi predestinada chamando-o “o menino da festa”.

“Ripresa”, 15 de julho de 1975

* Luciana Frassati Gawronska, (*1902 +2007)

Formada em Direito, escritora e poetisa. Entre seus livros destacam-se as biografias de Pier Giorgio o qual era seu irmão.
Amiga de todas as horas, grande incentivadora do processo de beatificação.
Casou-se com diplomata polonês Jan Gawronska em 1925. Vivenciou o drama da Segunda Guerra Mundial o qual relata em seu livro: O Destino passa por Varsóvia . Teve seis filhos entre eles: o jornalista Jas Gawronska e Wanda Gawronska, presidente da Associação Pier Giorgio Frassati de Roma.

Luciana Frassati Gawronska, (*1902 +2007)

A profecia do leigo

 

Quarto de Pier Giorgio Frassati
Quarto de Pier Giorgio Frassati

Giovanni Trovati


Na vida de Pier Giorgio Frassati podemos ver três momentos coligados pela dedicação ao próximo. A amizade pelos pobres “de meios” é o que mais se realça. Rico de família, mas pessoalmente com dinheiro limitado, porque em casa eram muito parcimoniosos, visitava as famílias que sabia estarem em condições de necessidade e dava o que tinha e mais, economizando até na passagem do ônibus ou pedindo emprestado aos amigos. Mais do que doar, se doava, para cumprir uma obra de evangelização, da qual naturalmente saia evangelizado.

A fé impõe amar a Deus, amar Deus implica que “seja feita a Sua vontade”, e esta nos remete a repartir com os outros. Por sua vez, o amor pelo próximo predispõe o ânimo a compreender o mistério da fé. É um círculo que envolve o eu, Deus, os outros. Não se vive sozinho e não nos salvamos sozinhos.

Um segundo momento da vida de Pier Giorgio Frassati, consequência do primeiro, é o propósito de trabalhar na Alsacia, uma vez conseguido o diploma de engenharia, para estar com os alemães que tinham ficado sob o jugo da França após a primeira guerra mundial e que sofriam na condição de vencidos. Também esses considerava pobres. Para testemunhar sua participação, estava pronto a deixar todo privilégio na Itália. O pai pretendia prepará-lo para a sucessão no comando do “La Stampa”: teria conseguido o lugar seguramente, de grande prestígio e remuneração e a carreira fácil que o teria colocado entre aqueles que contavam e formavam opinião. Se suas visitas às famílias necessitadas lhe traziam incompreensão, a notícia de ir trabalhar ao Deus dará, fora da pátria, ao lado daqueles que sofriam uma injustiça, o colocou em confronto com os pais. Fazer o bem sempre tem um pedaço de sofrimento e ele estava convencido que quem vê o bem e o renuncia é um desertor.

O terceiro momento, que pretendo realçar, é político. Se posicionou contra o fascismo em sua formação e sua afirmação, porque o considerava uma ofensa à religião e à dignidade humana. E se rebelou sempre, publicamente, aos gestos de obsequio que vinham também de setores católicos. Via no fascismo o abuso, e coerentemente se posicionava com aqueles que eram privados da liberdade: também esses eram pobres.

Pier Giorgio Frassati era o leigo que acompanhava o sacerdote onde o sacerdote é presente e penetra lá onde o sacerdote é ausente. “Em tantas famílias, em tantos lugares de trabalho, apenas o leigo pode acender o fogo que Cristo trouxe sobre a Terra” afirmou padre Carré após a grande prova do ultimo conflito numa pregação quaresmal em Notre Dame. Para dar testemunho do Evangelho são necessárias a santidade interior e o culto sacramental. O jovem Frassati se preocupava com uma e outro. Se dá o que se tem, e se tem o que através da oração se obtém de Deus.

Amava os pobres, ajudava-os na promoção humana impulsionado pela carga revolucionária da caridade. Muda-se o mundo mudando-se o homem: a revolução que impõe novas estruturas através da violência opera uma mudança ilusória que leva sempre à ditadura, à opressão. Sempre foi assim no passar dos séculos, assim constatamos com a revolução de outubro.

O cristão é um revolucionário porque quer mudar o mundo começando pelo seu próximo: obra cansativa, difícil, de êxito imprevisível. Escrevia padre Guardini mais ou menos ao mesmo tempo que Pier Giorgio: “O que pode convencer o homem moderno não é um cristianismo histórico ou psíquico, mesmo que modernizado, mas apenas a mensagem plena, total, não partida, da revelação”. O Vaticano II quarenta anos depois relacionou a vocação e a missão do leigo com a vocação e a missão da Igreja.” Esse povo – lê-se na Lumen Gentium – tem por lei o preceito de amar como o próprio Cristo nos amou”. Ou seja, sem medida. Ao amor se dá o máximo. A semente de memória evangélica morre para dar fruto e morre sob a terra, escondida, porque o bem feito para ser conhecido traz em si a grande limitação de não ser desinteressado. Uma definição do professor Lazzati nos ajuda a entender quem é o leigo: é um homem batizado que participa da vocação geral que pertence a todos, a santidade. A santidade pressupõe uma busca continua de Deus na humanidade.

Assim se compreende o conceito de caridade que São Paulo exalta como primeira virtude: significa participar da vida do outros, nos muitos sofrimentos e nas poucas alegrias. O leigo toma nas mãos sua própria existência e a dos outros, no colóquio continuo com o autor da vida e na imersão no mundo. É a testemunha de uma difícil fé e com sua obra pode colocar em crise benéfica aos outros. Padre Congar escreveu que é um homem que sabe que o mundo existe. Frase que sinteticamente resume o que afirmava o autor desconhecido da Carta a Diogneto nos alvores do cristianismo: “Os cristãos não podem se separar da sociedade devido à universalidade da fé que professam, mas também não se identificam com ela. Sua função consiste em inserir-se na história dos homens, em respeitá-la, em colher dela o que é positivo, no ser fermento ativo, conscientes que também os valores seculares, para darem frutos, devem passar pela cruz”.

Pier Giorgio Frassati experimentou o quanto custa carregar a cruz, em cansaço e em escárnio – porque a cruz continua a ser bobagem para o mundo – mas foi consciente que a verdadeira alegria vem do compreender e auxiliar os outros. Sua vida nos aparece como um sofrimento glorioso, próprio do santos.

Turim, 21 de setembro de 1988

* Giovanni Trovati foi vice diretor e jornalista do L´Stampa.

O pensamento a serviço da vida

Martin Stanislas Gillet

Em 1922 e 1923, encontrando-me em Turim para a festa do centenário de S. Domingos, tive oportunidade de conhecer, durante as funções sagradas que se desenvolviam solenemente, alguns universitários da Terceira Ordem Dominicana.

Todos simpáticos, porém um me impressionou por um seu fascínio especial. Um porte ereto, o olhar límpido, o semblante de quem pode comandar e dominar. De sua pessoa liberava-se uma força de atração cheia de doçura. Chamava-se Pier Giorgio Frassati.

Nascido em Turim, aos 6 de abril de 1901, faleceu em 4 de julho de 1925, em pleno vigor, na véspera de sua formatura como engenheiro. Agora nós o apresentamos aos nossos jovens franceses, para que o reconheçam como um deles, e rendam à sua memória o culto que lhe é devido.

Porque Pier Giorgio fazia manifestadamente parte daquele eleito grupo de jovens que se encontra hoje, um pouco em cada centro universitário, que tem, com a nostalgia do sobrenatural, verdadeiro temperamento de apóstolos.

A religião sempre significa para eles uma doutrina de vida, junto à luz e força, que deve iluminar e fecundar a atividade humana por inteiro. Nada deve sair de seu domínio, e ao contrário, tudo ela pode abranger, expandindo-se. Pier Giorgio teve apenas o tempo de ser um estudante; mas já nele se manifestava o homem que teria sido um dia, não precisamente um intelectual, mas um homem capaz de colocar toda sua vida a serviço de seus ideais, acima de tudo um homem de ação, decidido a colocar todas as suas idéias a serviço da sua vida.

Por ação, esse jovem entendia ação católica; e estendia esse domínio tanto à vida interior quanto às obras exteriores; à vida pessoal como à familiar e social.

Agir era para ele sobretudo viver, portanto, pensar, sentir, amar, prover-se com todas as fontes e todos os  impulsos da natureza e da graça.

O centro da ação estava nele, nas profundezas de sua alma, de coração para coração com o Deus de amor, cuja presença o inebriava. Lá ele encontrava a alegria de viver e aos 24 anos encontrou a força de morrer.

Em toda a vida de estudante, foi um jovem puro; a piedade porém não lhe apagou nunca a chama do olhar, não lhe obscureceu a fronte, não extinguiu o sorriso de seu semblante. Ao contrário, tudo nele brilhava de alegria, porque deixava a sua bela natureza florir ao sol de Deus.

Todos os sentimentos que fazem vibrar o coração, na inspiração cristã, encontravam hospitalidade no seu, em espontaneidade e generosidade sem igual. Amava em primeiro lugar sua família, sofria em ter de deixá-la, exultava ao regressar.

Espalhava alegria. Seu pai encontrava alivio dos afazeres políticos ao compartilhar com suas brincadeiras. Sua mãe, que ele amava ternamente, guardava no coração suas palavras.

Como à sua família, com o mesmo ímpeto amou a pátria. E porque não a teria amado sua alma sensível e delicada que se sentia devedora de tudo? Não havia ela dado à Igreja e ao mundo o maior pensador, Tomás de Aquino; o maior poeta, Dante e na plêiade de artistas, o mais espiritual e popular pintor, fra Angélico? Não se confundia talvez a história do mundo civil com a história de seu país, e por duas vezes, antes e depois de Jesus Cristo, não tinha sido e não era talvez ainda Roma sua capital?

Pier Giorgio considerava a pátria como o prolongamento da família e a Igreja como a expansão da pátria, no mundo espiritual. Esses afetos não se opunham em seu coração, mas se harmonizavam e ganhavam força reciprocamente.

Amava a mãe de todos: a Igreja. Teria dado a vida de bom grado por ela.

E na Igreja, as almas o atraiam, sobretudo as dos necessitados. Nas páginas que lhe são dedicadas, se lêem particularidades comoventes a respeito de seu relacionamento com os pobres. Aos famintos dava o pouco que tinha; aos privados de afeto dava o coração; aos desgraçados que ignoravam tudo que vem de Deus e viviam na solidão espiritual, dava o exemplo do justo que vive sua fé e os direcionava a Deus para que Ele os saciasse.

Na idade em que as paixões fervem no coração dos jovens e ameaçam romper os freios, Pier Giorgio concentrava no seu todas as forças vivas e as equilibrava.

Dia a dia, diante de Deus e diante dos homens, aprendia a vencer-se e dominar-se. Poderia se dizer que, sem se aperceber, preparava-se para a missão de comandante, se é verdade que para se saber conduzir os outros é necessário antes de tudo saber conduzir a si próprio.

E um dia, um mal inesperado fulminou este jovem, tão sólido, tão equilibrado, tão vivo, e as ascensões espirituais foram interrompidas de um golpe. Não ! Antes, morrendo, ele galgou em um instante a distancia que o separava de Deus: trocou a terra pelo céu.

Os desígnios de Deus são incompreensíveis,porque vê as coisas de muito mais alto e mais longe que nós, no todo e no particular.

Porém, nos é permitido pensar que, chamando Pier Giorgio para Si, no momento em que todos que o conheciam colocavam nele tantas esperanças, Deus tenha querido que sua morte inesperada e repentina colocasse em relevo a beleza excepcional de sua vida, e atraísse a atenção dos jovens que pudessem se inspirar nele.

Pensando assim, Pier Giorgio se tornou seu comandante. Sua ação rompeu as cadeias da morte e sobreviveu a ela. Continua a falar com aqueles que sabem ouvi-lo e os exorta a segui-lo.

Defunctus adhuc loquitor.

Prefacio da edição francesa da biografia de Pier Giorgio Frassati, curada por R. P. Marmoiton, s.j., Toulouse 1932.

* Martin Stanislas Gillet foi Mestre Geral dos Domenicanos de 1929 a 1946. Em seguida elevado a dignidade de Cardeal.

Um jovem “enamorado”

Paolo Risso

“O segredo da perfeição espiritual de Pier Giorgio Frassati – foi testemunhado a seu respeito – deve ser buscado, de modo especial, na sua assídua, sincera, profunda e terníssima devoção à Virgem Maria”.

Viam-no passar pelos campos de Biella montado sobre “Parsifal”, seu cavalo. Pelas ruas de Turim, com os amigos, fazia alvoroço por quatro. Ágil e forte, escalava os cimos dos Alpes, puxando atrás de si, com seus músculos de aço, os mais pequeninos… Um rosto aberto ao sorriso e à gargalhada estrepitosa. Simpático, cativante, fazia-se amar.
Assim era Pier Giorgio Frassati, filho do senador liberal Alfredo Frassati, dono e diretor do jornal La Stampa, embaixador da Itália em Berlim. Nasceu em Turim, aos 6 de abril de 1901, sábado santo. Da mãe, do seu primeiro preceptor – o padre salesiano Cojazzi – e de seus professores, Pier Giorgio recebe uma límpida formação cristã, aperfeiçoada junto ao Instituto Social dos Padres Jesuítas. Pier Giorgio descobre, bem cedo, a Cristo como seu primeiro amor: sente-se amado por ele e chamado a retribuir a este seu amor com uma afeição extraordinária.

A VIDA COMO DOM DE AMOR

Existe um fato único que penetra a vida de Pier Giorgio: Cristo que transforma tudo e o move por todos os caminhos para manifestar sua presença e mudar o mundo. Pier Giorgio estuda e convive com os amigos, reza intensamente com o terço nas mãos, recebe todos os dias a Comunhão. Depois, empenha-se na sociedade e na política. Toma parte, ativíssimo, nas Conferências de São Vicente e serve aos pobres nos sótãos. Faz parte do Círculo Universitário Cesare Balbo, inscreve-se no Partido Popular tão logo esse surgiu, dedica-se às classes mais humildes e luta contra o fascismo nascente. Dá seu nome para os “adoradores noturnos”, passa noites em oração diante do tabernáculo, e se apaixona pela montanha, pelas corridas de bicicleta e de carros. Participa da Ordem Terceira dos Dominicanos, na “bela igreja de São Domingos” de Turim, com o nome de “Frei Girolamo”, em memória de Frei Girolamo Savonarola – o dominicano mártir –, pois partilha com ele o ideal de reforma espiritual e social.
Os amigos o seguem porque é um verdadeiro líder, humilde, tenaz, fascinante. Incute respeito junto aos liberais, como seu pai, ou junto aos socialistas, como Turati. Os fascistas o temem, porque já experimentaram seus terríveis murros.
Vem a falecer, atingido por uma poliomielite fulminante, adquirida no sótão dos seus pobres, aos 4 de julho de 1925. Seus funerais são um triunfo.

O SEGREDO DE UMA VIDA ASSIM

Marco Beltramo, um dos amigos mais queridos de Pier Giorgio, nos explica: “Se vocês me perguntassem qual era o meio seguro sobre o qual ele se apoiava para realizar uma assim constante obra-prima de vida intimamente unida a Deus, eu não hesito em lhes responder que o segredo da perfeição espiritual de Pier Giorgio deve ser buscado, de modo especial, na sua assídua, sincera profunda e terníssima devoção à Virgem Maria. Nós todos, que vivemos alguns anos próximos a Pier Giorgio, não podemos separar sua lembrança da lembrança de seu amor filial à Maria”.
Em Turim, inscreveu-se na Congregação Mariana do Instituto Social dos Padres Jesuítas e tinha consagrado sua juventude e sua vida à Nossa Senhora. Oropa foi o Santuário predileto de Pier Giorgio, cuja família era proveniente de Pollone, uma aldeia a poucos quilômetros da sua “Virgem Negra”. Foi a Oropa muitíssimas vezes, pedindo ao jardineiro que o acordasse ao romper do dia e voltando logo, de modo que ninguém da família se dava conta disso. Com a força da presença de Maria em sua vida, retomava seus estudos, seu testemunho de fé e de caridade.
Quem o conheceu deixou comoventes afirmações sobre seu afeto para com Nossa Senhora. “Quando subia ao Santuário – escreveu o Padre Rizzi, redentorista – parecia transformado pelo amor à Virgem. Sua devoção à Virgem de Oropa era muito terna, filial. Nada lhe impedia de subir até aqui. Um dia, encontrei-o sobre a escadaria do Santuário, todo coberto de neve, enlameado, quase irreconhecível. Disse-lhe: ‘Pier Giorgio, você veio com este mau tempo, por estes caminhos?’. E ele me respondeu sorrindo, como uma criança”.
Costumava subir ao Santuário de Oropa recitando, sem nenhum respeito humano, o rosário, que era a sua oração predileta, como católico convicto, fiel às tradições da Igreja e membro da Ordem Terceira Dominicana, na qual tinha entrado por causa da afinidade de sua alma com o espírito de São Domingos de Gusmão e seus frades pregadores de hábitos brancos.
Entre as inumeráveis vezes que foi a Oropa, deve-se recordar sua participação na coroação da imagem de Nossa Senhora, aos 29 de agosto de 1920. Permaneceu no santuário o dia todo. Tinha subido para lá a pé, rezando o rosário e cantando ladainhas. Confessara-se durante a noite e participara da Missa de manhã bem cedo.
“De manhã – escreve a irmã, Luciana –, acordara com as primeiras luzes do dia; foi, então, rezar e, depois, começou a andar de lá para cá infatigavelmente… com uma alegria que lhe transparecia no rosto, nos atos e nas palavras”. Depois que o Cardeal Valfré colocou a coroa sobre a cabeça de Nossa Senhora, foi entoado um hino de louvor e “a voz, cheia de fervor, de Pier Giorgio logo dominou todas as vozes dos fiéis presentes, depois de ele ter ajudado a levar em triunfo a imagem da Virgem”.
“O que não se pode esquecer com relação a Pier Giorgio – dizia o pároco de Cossato – é o tê-lo visto rezar. Fixava Nossa Senhora e parecia que queria devorá-la com os olhos”.
Mas, o seu afeto à Virgem não estava ligado apenas ao Santuário de Oropa, querido de qualquer biellese. Pier Giorgio amava todos os santuários marianos, sobretudo os de Turim: o da Consalata, coração da fé dos turineses, e o de Nossa Senhora Auxiliadora, templo erguido à Mãe de Deus e dos cristãos por Dom Bosco. Para lá, tinha-o ensinado a se dirigir seu primeiro preceptor, o padre salesiano Cojazzi, e na sua escola – a escola de Maria – Pier Giorgio tinha aprendido a ser orante e silencioso, enamorado de Deus, capaz de testemunhar Cristo onde ele era ofendido e até mesmo negado, discreto e dinâmico, livre e feliz, como quem sabe ser possuído pelo Mistério divino.
O rosário era a sua oração predileta a ser oferecida à Maria. Ele mesmo cultivava uma planta que produzia sementes escuras com as quais fazia terços originais e os oferecia aos amigos e às amigas, convidando todos à oração. Pier Giorgio costumava rezar com o terço, de joelhos, aos pés de sua cama, depois de um dia intenso de estudo e cansaços, a ponto de comover até mesmo seu pai “leigo” e liberal. Ou então, rezava prostrado com o rosto em terra, como um antigo monge, nas suas noites passadas em adoração a Jesus Eucarístico. Ou ainda, rezava em meio a uma comitiva alegre e barulhenta de jovens que subiam ou voltavam das montanhas nas excursões dominicais. Quando, em setembro de 1921, no Congresso da Ação Católica que se deu em Roma, Pier Giorgio e outros jovens foram presos pela polícia e maltratados, no pátio onde foram amontoados na espera do interrogatório, o filho do embaixador em Berlim, em alta voz, erguendo o terço sobre todos, disse: “Por aqueles que nos espancaram, todos juntos, rezemos agora”.

A VIDA E A MORTE COMO UMA “OBRA-PRIMA”

Não poucos jovens do seu tempo, inspirando-se em D’Annunzio, buscavam fazer da própria vida uma “obra-prima” de violência e de vícios, chamando-a de “esteticismo”. Outros, seguindo Gramsci ou Gobetti, impostavam a vida como luta ou “empenho civil”, sem Deus e sem Cristo. Pier Giorgio, nutrido com a força do pensamento católico – o único capaz de responder a todas as perguntas do homem – e guiado por Maria, soube fazer da sua vida uma “obra-prima” de Cristo, pois todos os dias colocava em prática o convite que a Virgem fizera aos servos das bodas de Caná: “Fazei tudo o que ele vos disser”.
Hoje é a Igreja, que pela palavra infalível de João Paulo II, proclama Pier Giorgio Frassati, não só “o jovem das oito bem-aventuranças”, como o tinha chamado em Cracóvia o mesmo Cardeal Wojtyla em 1977, mas beato, apontando-o como modelo da juventude de hoje. Esta, em Cristo – reconhecido, seguido e amado, sobre o rastro deste jovem santo –, não tem nada a perder, mas tudo a ganhar e se torna capaz de construir um futuro esplêndido nesta terra e na eternidade.

* Do livro: Paolo Risso, Pier Giorgio Frassati, il giovane ricco che disse sì, L.D.C., Leumann-Torino, 1989.

A Devoção à Nossa Senhora: Alimento para a fé em Pier Giorgio Frassati

Frei Alessandro Rosso, o.f.m. cap.

Pier Giorgio Frassati, desde a primeira juventude, teve uma adesão humilde e forte à fé recebida em germe no santo Batismo, alimentada pela educação cristã recebida na família e, sobretudo, pelos sacerdotes que o prepararam para os sacramentos da iniciação cristã. E esta adesão foi, pouco a pouco, crescendo com o estudo do catecismo e do Evangelho, com a oração assídua e uma profunda devoção eucarística e mariana.

1 – A fé, fundamento da vida espiritual do Beato

Sua fé era plena, forte, alegre e operosa. E, desta fé, provinha a sua caridade multiforme e o zelo para conduzir outros – fossem amigos ou pobres assistidos – para o amor do Senhor.
É importante, para compreender como a fé era realmente o fundamento da vida espiritual de Pier Giorgio, transcrever três trechos das cartas dirigidas ao amigo Isidoro Bonini, que remontam aos últimos meses de sua vida e que são citadas no volume: Lettere di Pier Giorgio Frassati (“Cartas de Pier Giorgio Frassati”), Queriniana, 1950.

15 de janeiro de 1925
“… De tempos em tempos, me pergunto: continuarei buscando seguir o bom caminho? Terei a ventura de perseverar até o fim? Em meio a este tremendo embate diante das dúvidas, a fé que me foi dada no Batismo me aconselha com voz segura: ‘Por si mesmo, você não fará nada, mas se tiver a Deus como centro de todas as suas ações, então, sim: você chegará ao fim’. É justamente isso que gostaria de poder fazer e tomar como lema o dito de Santo Agostinho: ‘Ó Senhor, inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti’…” (o.c. p. 192).

29 de janeiro de 1925
“… Terei a força para chegar? Sem dúvida, a fé é a única âncora de salvação e é preciso agarrar-se fortemente a ela. Que seria toda a nossa vida sem ela? Nada, ou melhor: seria consumida inutilmente, pois, no mundo, só há dor e a dor sem a fé é insuportável, enquanto que a dor alimentada  pela pequena chama da fé se torna algo de belo porque robustece a alma para a luta…” (o.c. p. 194).

27 de fevereiro de 1925
“… pobres infelizes aqueles que não têm fé! Viver sem uma fé, sem um patrimônio a ser defendido, sem sustentar, numa luta contínua, a verdade não é viver, mas é ir vivendo. Nós nunca devemos ir vivendo, porque, também através de qualquer desilusão, devemos nos lembrar de que somos os únicos que possuímos a verdade; temos uma fé a sustentar, uma esperança a atingir: a nossa Pátria. E, por isso, expulso qualquer tristeza, que só pode existir quando se perde a fé…” (o.c. p. 196).

Alimento de sua fé e de sua multiforme caridade foi, sem dúvida, a sua piedade eucarística; mas, fundamento e guia foi a sua devoção à Nossa Senhora, à sua Mamãe do céu. Era o que recordava, em uma de suas conferências, o amigo Marco Beltrano Ceppi, depois anexada ao Processo Apostólico (Summ, p. 296).
“Se vocês me perguntassem qual era o meio seguro sobre o qual ele se apoiava para realizar uma assim constante obra-prima de vida intimamente unida a Deus, eu não hesito em lhes responder que o segredo da perfeição espiritual de Pier Giorgio deve ser buscado, de modo especial, na sua assídua, sincera profunda e terníssima devoção à Virgem Maria. Nós todos, que vivemos alguns anos próximos a Pier Giorgio, não podemos separar sua lembrança da lembrança de seu amor filial à Maria”.
O Padre Karl Rahner, sj, que conheceu Pier Giorgio na década de 20, na Alemanha, num testemunho narrado pela irmã Luciana Frassati, no livro Mio fratello Pier Giorgio. LA FEDE (“Meu irmão Pier Giorgio. A FÉ”), escreve:
“Na época, Pier Giorgio tinha vinte anos. Uma de suas paixões era Dante… E o trecho que repetia, sempre com entusiasmo e de memória, era a oração de São Bernardo à Mãe de Deus: ‘Virgem Mãe, filha do teu Filho’. Pier Giorgio, que sentia um profundo amor por sua mãe, era naturalmente levado a venerar, com ternura indizível, a outra Mãe do céu…” (p. 199). “Em Freiburg, eu me admirava quando o via rezando, em voz alta, o terço no seu quarto. Então, não podia compreender muito bem: um jovem do nosso tempo, antes que amar verdadeiramente o rosário, deve possuir uma bela piedade” (p. 229).

2 – A devoção à Nossa Senhora

A irmã Luciana, no Processo Apostólico, depôs assim sobre a devoção de Pier Giorgio à Nossa Senhora, verdadeira luz e apoio no seu caminho de fé:
“Pier Giorgio teve uma devoção instintiva, que foi crescendo sempre mais com o passar dos anos, à grande Mãe, a Virgem Maria. Ele sentia todo o seu fascínio… As flores eram sua homenagem mais calorosa e mais evidente. Em toda lugar em que a Virgem seria festejada, lá aparecia Pier Giorgio com o seu ramalhete – às vezes, enorme…”.
Ela também recorda que Pier Giorgio logo criou o hábito de ir em peregrinação aos Santuários Marianos. Os dois preferidos no Piemonte eram os de Oropa e da Consolata. Em Turim, o de Maria Auxiliadora. Muitos sacerdotes e amigos sublinham o mesmo fato.
Em 1918, pediu e obteve, freqüentando o “sociale” de Turim dos padres jesuítas, a inscrição na Congregação Mariana, consagrando-se, assim, de modo especial à Santíssima Virgem.
A propósito da devoção à Nossa Senhora Negra de Oropa, o Reverendo Padre Cesário Borla relembrava no Processo Informativo: “Ficou-me impresso na alma a lembrança do gozo e da alegria com que tomou parte nas festas para a coroação de Nossa Senhora de Oropa, que se deu pelas mãos do Legado Pontifício, S. Ex.a Cardeal Valfré di Bonzo (28 de agosto de 1920). Depois de ter assistido a mais de uma Missa e de ter comungado, dedicou-se inteiramente a ajudar os organizadores dos festejos tanto quanto podia. Passou o dia inteiro no Santuário, do qual só saiu quando a noite descia sobre o vale… Nunca ia a Pollone sem ir visitar o Santuário de Oropa, para onde se dirigia, muitas vezes a pé, fazendo uma peregrinação de cerca de duas horas” (Summ. Introd. Causae, p. 161s).
A irmã Luciana ainda relembra que, se o dia de Pier Giorgio começava com a Missa e a Comunhão, prosseguia, como é próprio de um bom terceiro dominicano, com a recitação do Ofício de Nossa Senhora e terminava sempre com a reza do santo terço, estivesse ele em casa ou no refúgio da montanha.
Podia, às vezes, acontecer-lhe, tomado pelo cansaço, de dormir durante a recitação. Numa tarde, coincidiu que o pai o achou adormecido com o terço na mão. Encontrando-se com o pároco, de quem era amigo, assim se expressou: “Mas, o que senhores fizeram do meu filho? Imagine que o encontrei na cama, adormecido com o terço na mão!”
Respondeu o piedoso e prudente sacerdote: “E o senhor preferiria, Senador, que ele dormisse com algum namorisco por perto?”. “Ah! Isto não!”.
“Então, deixe-o continuar com seu estimado costume. Certamente, não terá que se arrepender disso!”.
Cultivava no jardim da casa de Pollone plantas de coyx lacryma e levava os grãos para as Irmãs Franciscanas Angelinas, a fim de que fizessem terços que ele se alegrava em dar aos amigos para estimulá-los a esta oração.

3 – De joelhos no Santuário de Loreto

Entre os Santuários Marianos que ele visitou está também o Santuário de Loreto, que guarda a santa Casa de Nazaré, onde Maria Santíssima recebeu o anúncio da Encarnação do Verbo de Deus e onde disse o seu SIM.
Luciana Frassati lembra que o fato se deu no final de agosto ou em 1º de setembro, antes de ir a Assis (2-5 de setembro de 1919). Eis como o relata em seu livro Mio fratello Pier Giorgio. LA FEDE :
“Em Loreto, por exemplo, certa manhã, não o encontramos mais no hotel. Começamos a procurá-lo por toda parte e acabamos por encontrá-lo já na igreja, sozinho, ajoelhado sobre o frio degrau do altar.
Tinha sentido uma atração tão forte pela casa de Nossa Senhora, a ponto de não suportar mais ficar na cama e num quarto como nós” (p. 213).
Sobre esta visita à casa de Nossa Senhora, fala também o Padre Robert Claude, sj, no seu livro: Frassati parmi nous (“Frassati entre nós”):
“Certa manhã, em Loreto, seu companheiro de quarto que o busca em vão, acaba por encontrá-lo na basílica, ajoelhado junto ao altar-mor, como que a fazer – assim parece – sua ação de graças. Quis se aproximar dele, mas algo o reprimiu, uma emoção o deteve: ‘Não saberia dizer o que aconteceu comigo naquele momento. Eu o senti tão magnânimo e tão acima de mim…’” (p. 15).
De sua oração humilde e insistente e de uma meditação dos mistérios do santo rosário e dos exemplos da Santíssima Virgem, ele hauriu o impulso não só para uma ascensão rumo à santidade, mas também para um zelo apostólico intenso.
Estava inscrito na Obra da Propagação da Fé, desde os primeiros anos da juventude, e se empenhava a dar a conhecer aos amigos a verdade da fé.
Seu companheiro e depois sacerdote Padre Giovanni Bertini depôs no Processo Apostólico:
“O espírito de apostolado era vivo nele. Aproximava-se de muitas pessoas, especialmente dos colegas universitários, aos quais levava sempre uma palavra de fé e de esperança, com muita doçura e amabilidade, sem assumir ares de quem quer se fazer de mestre, mas, no entanto, com muita firmeza”.
Em agosto de 1923, o tio Pietro Frassati que, embora honesto, sempre se recusara a seguir as práticas da fé cristã, estava agonizando.  Pier Giorgio precipitou-se para junto dele e conseguiu persuadi-lo a receber a visita do sacerdote e, em seguida, com lágrimas nos olhos, também os santos sacramentos. Escreveu sobre isso ao amigo Antonio Severi, aos 20 de agosto de 1923, comentando o fato com estas palavras de humildade e orgulho cristão:
“Deus, certamente na sua infinita misericórdia, não levou em conta meus inumeráveis pecados, mas escutou minhas orações e aquelas de minha família, e concedeu ao tio a grande graça de receber com plena consciência os últimos Sacramentos.
Creio que esta vida deve ser uma preparação contínua para a outra, porque nunca se sabe o dia, nem a hora da nossa morte” (Lettere o.c., p. 178).
Não há palavras mais apropriadas para encerrar estas reflexões sobre a devoção à Nossa Senhora, inspiradora e guia do Beato Pier Giorgio Frassati numa vida de fé e de zelo apostólico, do que aquelas pronunciadas por João Paulo II no Angelus de 20 de maio de 1990, dia de sua solene beatificação:
“Caros jovens, convido-os a imitar o exemplo de novo Beato. Saibam, também vocês, se recolherem muitas vezes na oração e na meditação ao lado da Mãe do Redentor, para fortalecer a fé e para inspirar, no modelo de vida de Maria Santíssima, o seu serviço a Cristo e à Igreja. Assim, vocês saberão se empenhar com entusiasmo e alegria na nova evangelização, para encontrar as soluções que respondem às exigências da vida espiritual e civil deste nosso tempo”.

Pier Giorgio Frassati – Crônica dos Funerais

Luigi Ambrosini (1883-1929)

No raptar à vida e à família – de cujo nome era o único herdeiro – este jovem de 24 anos, resistente e são como um alpino de nossos vales e bom, de uma bondade comovente de pequeno santo, a morte foi pouco menos que fulminante, como se tivesse horror da própria e desapiedada obra. No espaço de pouco mais de um dia, o filho e irmão adorado foi tirado de súbito da convivência serena do mundo e daquela palavra que nele era infalivelmente expressão de afeto e ternura: única e ultima ligação de sua humanidade, no corpo que um frio crescente invadia, foram os olhos, com os quais ele procurou em vão consolar a dor infinita dos seus, antes de fechá-los diante de seu desespero. O mal que o arrancou a uma adoração que agora se voltará à sua memória, talvez o tenha também impedido de sofrer: E no mais, ele tinha uma alma tão cristã, que se alguma dor sentiu nas ultimas horas, soube certamente a quem oferecê-la, e até onde elevá-la, muito acima da vida quotidiana, muito acima da terra. Não podemos relembrar Pier Giorgio sem lembrar aquela que era a Pátria de sua alma, a fonte não terrena de seu pensamento, o refugio seguro de sua existência mais sublime. A fé mais firme tinha nele alimento e carícia de ingenuidade infantil. Vivia na verdade como se dela não tivesse saído nunca. Era tão jovem e tinha sido sempre tão correto e tão coerente, que não a tinha conquistado, mas sim, nunca a perdera. Foi o dom mais profundo de sua vida, que não o abandonou jamais, que jamais seria perdido ou consumado mesmo se o destino o tivesse feito viver até avançada idade.

Existia nele uma veia de misticismo tão pura e profunda que desde os primeiros anos o tornou avesso a qualquer bem estar mundano e a toda riqueza material da vida. Nascido na riqueza, Pier Giorgio Frassati tinha a alma franciscana da pobreza. Suas mãos não foram feitas para recolher, mas para distribuir e expandir. Sua alma não foi feita para possuir, mas para ver outros possuírem; suas obras menores e mais desconhecidas – e principalmente as mais desconhecidas – foram todas de consolação e piedade, tiveram a grandeza mais verdadeira e a estabilidade mais duradoura: a da bondade.

Estava engajado na vida fortemente, como se fosse homem feito, de uma solidez moral e correção de antiga tempera piemontesa: alma de criança em um caráter de semblante viril. Nas opiniões, nos conselhos, nos sentimentos, nos julgamentos, era de uma precisão moral tão absoluta, de uma equidade tão escrupulosa, de uma generosidade tão rica e segura, que os amigos o seguiam onde quer que fosse, com fé sem limites. O seu coração, assim como sua mente, era correto, de uma lealdade irrepreensível, incapaz de um só sentimento ou pensamento tortuoso ou incerto. Sua alma era como seu semblante, como seu olhar, como sua palavra, como seu acenar de cabeça que sim ou que não, sem segundas intenções, sem incertezas, sem necessitar minúcias sutis. Nisso, seu misticismo era de uma consistência individualíssima, mais única que rara, sem nada de nebuloso e de vago, com um propósito maravilhoso de senso prático, que não o deixava hesitar nunca nem o mantinha suspenso um instante entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, entre o que devia ou não fazer.

Caminhava na justiça com o mesmo passo transparente e seguro – sem rodeios, sem paradas, sem esmorecimento – com que o víamos caminhar pela rua, com que o víamos chegar entre nós, com que o imaginávamos pelos caminhos e trilhas das montanhas que tanto amava. Seu corpo e sua alma, entre cujos destinos sua consciência cristã colocava um abismo, pareciam ao nosso entender como fundidos em uma só expressão: o aspecto de seu semblante bastava para impedir as poucas palavras impulsivas de sua fala; sua fala era o espelho límpido de seu sentimento e de seu espírito.

Até os 24 anos, às vésperas de sua graduação em engenharia, os mais antigos da redação, aqueles que em tempos passados o tinham colocado nos próprios joelhos e o tinham levado pela mão a passeio pelas trilhas, jardins e colinas, o consideravam como o menino e a criança de um tempo distante: cada vez que o viam o cumprimentavam com uma ternura que dissoava de seu crescimento e estatura de homem. Também hoje, apesar de não o vermos mais, porém relembrando-o com a dolorosa vivacidade da memória, nos parece enxergar, por trás dele, uma luz desconhecida de sua infância: o nome Pier Giorgio nos fala sempre com o som carinhoso de um tempo passado.

Todavia, nenhum de nós, nenhum de seus amigos ignorava quais, se não quantas, eram as obras de piedade e caridade nas quais se empenhava por parte de seu dia. Ia em busca dos necessitados nos lugares mais afastados da cidade, subia pelas escadas mais angustiantes e escuras, entrava nos sótãos onde não havia nada além de miséria e sofrimento, levando o socorro que alimentava o corpo e dizia a palavra que consolava a alma. Tudo o que tinha no bolso era para os outros, assim como tudo o que tinha no coração; nasceu para dar, não vivia para si, era um cristão da fé e um cristão da ação, sabia viver na terra pela perspectiva mais alta que tinha da mesma. Seu misticismo era pleno de obras. Uma das ultimas coisas que deixou por escrito em suas ultimas horas, quando não podia mais exprimir-se pela voz, foi uma recomendação aos amigos do Circulo S. Vicente de Paula, para que se lembrassem de uma fórmula que estava pronta para as injeções em um pobre doente, e do recebimento de um penhor que deveria ser quitado. Sua morte será chorada por uma centena de pobres, sua memória é abençoada pelos humildes.

A dor pelo seu desaparecimento, que se pensarmos apenas como desventura, nos impediria de escrever e pensar sobre ele, é como que redimida em todos nós que o conhecemos, através desta memória que ele nos deixou de sua superioridade e beleza moral. Como em torno e atrás de sua pessoa, ele vivo, estava a luz da infância que o seguia, assim à volta de sua memória está a luz de sua bondade, está a beleza de sua fé, está a esperança que nele teve expressão precisa e continua a operar dentro de nós, nesta hora inconsolável, com seu conforto.

Fez o bem em silencio e nenhuma mão foi mais leve que a sua no ofertar. Disse em vida – e disso estamos seguros – apenas palavras boas e não restou por certo em qualquer ser vivo uma sombra, uma única sombra, de sua breve passagem pelo mundo. Este que é o maior elogio que se pode fazer a um desaparecido, não é mais que a humilde verdade diante dos despojos deste jovem.

Com a morte de Pier Giorgio Frassati, amor e orgulho da família, que dele teve o culto da mais terna devoção, na casa daquele que foi por tantos anos o nosso amado e ilustre diretor, entram um luto e uma dor que não podem ser consolados. A essa dor nos inclinamos reverentes, com muda piedade.

* Luigi Ambrosini (1883-1929), jornalista da “Stampa”, comentarista político e escritor, primeira testemunha do Pier Giorgio Frassati secreto, conta a crônica do funeral, fazendo com que a cidade descubra a figura e as obras do jovem (domingo, 5 de julho de 1925.

Ao encontro de Jesus com Píer Giorgio Frassati

Paolo Risso

Entre as fotos de Pier Giorgio Frassati, talvez as mais bonitas sejam aquelas que o retratam enquanto subia pelos picos, arrastando atrás de si, com seus músculos de aço, uma penca de amigos. Não só pelos Alpes ele arrastou os amigos, mas também pelos picos bem mais inóspitos da santidade.
Desde os dias de seu desaparecimento até hoje, Pier Giorgio tem um séqüito de almas que superaram seus próprios limites, que subiram “para o Alto”, olhando para Ele que os precedia. Eis algumas dessas almas.

Em 1928, apenas três anos após sua morte, saiu a biografia escrita por seu professor, D. Antonio Cojazzi, salesiano. Em Triuggio, perto do lago de Como, um jovem de 18 anos estava fazendo os exercícios espirituais e tinha apenas lido a recém impressa biografia de Pier Giorgio. O jovem se chama Giuseppe Lazzati e está para se inscrever na Universidade Católica do SS. Coração. Anota em seu diário: “ Senti, partindo de Pier Giorgio, um fascínio que me atraia, porque ele, nas terríveis lutas próprias de todos os jovens, manteve firmes os princípios da fé, longe de qualquer coisa que fosse passageira, para manter apenas o que pode saciar nosso coração.” Mais adiante, enquanto afirma que” está fazendo os exercícios com Pier Giorgio”, escreve: “Pela parte que me toca decidi: quero me empenhar com todas as forças quero dar tudo que possuo… Olharei para Pier Giorgio, procurarei amigos com quem consiga mais facilmente vivenciar o bem”.
Estudante universitário, Giuseppe Lazzati continuou olhando Pier Giorgio como modelo. Professor de literatura cristã antiga na Universidade Católica, indicava Pier Giorgio como modelo de vida aos seus alunos. Inspirou-se também nele quando fundou seu Instituto secular de leigos consagrados no mundo, para construir o Reino de Cristo. Pier Giorgio sempre lhe pareceu ser um exemplar do “miles Christi ”, como deve ser o leigo cristão na sociedade.
E mirando-se em Pier Giorgio, vivendo como ele, Giuseppe Lazzati tornou-se, em tempos difíceis, Reitor Magnífico da Universidade Católica. Foi em tal investidura que escreveu ao Papa Paulo VI para que fosse desbloqueada a “causa” de Pier Giorgio: “Ouso pedir à Sua Santidade que queira ainda mais uma vez solicitar a conclusão do já iniciado processo romano para a beatificação de Pier Giorgio.” Era 10 de maio de 1975. Paulo VI decidiu prosseguir: foi o passo decisivo que levou à conclusão sobre a beatificação de Pier Giorgio em 20 de maio de 1990.
Todos sabem que Giuseppe Lazzati, leigo consagrado, homem de altíssima cultura, educador de gerações de jovens, faleceu em 19 de maio de 1986, em estado de santidade: humilde, pobre, límpido e forte como Jesus. Num dia luminoso de 1977 disse a este que escreve: “ Você trabalha na escola. Estuda, ama, prega, trabalha. Educa os jovens à altura de Cristo.” Certamente dizendo isso ele pensava no inesquecível Pier Giorgio Frassati.Encontra-se em curso seu processo de beatificação.

“Serei dominicano como Pier Giorgio”

O salesiano D. Adolfo L´Arco, fez a curadoria, há alguns anos, de um livreto intitulado “Um jovem que tem o Paraíso nos olhos”. (Marchionne, Chieti, 1984). É a história de Dino Zambra, nascido de uma nobre família em Chieti, em 1922; depois da escola secundária inscreveu-se na Faculdade de Letras da Universidade Católica de Milão; em 1943 foi chamado pelo exército; em 3 de janeiro morreu aos 22 anos no hospital de Lecce.
A vida desse jovem intelectual é toda marcada por um caminho continuo em direção à santidade, toda cheia de oração, estudo, sensibilidade para com os problemas sociais, políticos, culturais, uma vontade formidável de fazer o bem, de levar Cristo aos irmãos. Seu modelo de vida é Pier Giorgio Frassati, que cita bem umas dez vezes. Eis alguns testemunhos extraídos de seu diário:
“Esta manhã, indo ter com os pobres, vi muitos casos de miséria (…) Decidi: de agora em diante terei apenas o que necessito para viver com certo decoro, o restante darei aos pobres, venderei os bens de minha família e darei o que obtiver com isso aos pobres. Para mim basta meu trabalho. Pier Giorgio queria fazer assim”. (26/4/1941).” Notei que na minha escalada eu sinto prazer com a admiração humana. Já Pier Giorgio se preocupava em agradar apenas a Deus.” (30/6/1941) . ”Pier Giorgio se confessava com qualquer sacerdote, já eu preciso de um guia espiritual.” (2/7/1941).
O dia 4 de julho de 1941 é o 16º aniversário da morte de Pier Giorgio. Dino Zambra escreve: “Hoje rezei mais intensamente. Reli o capitulo de sua morte e me propus a jamais fazer alguma coisa que ele não fizesse.” Alguns dias depois: “Compreender os pensamentos, as necessidades, as aspirações dos outros povos. Isso queria Pier Giorgio, para isso nós os católicos deveríamos tender.”
Como todos os jovens estava em busca do próprio caminho. Atraia-o o casamento e Marisa, a jovem pela qual sentia simpatia, parecia para ele que se tornaria sua companheira. Mas logo compreendeu que Deus o chamava para a vida religiosa. Escreveu a ela para dizê-lo, depois anotou no diário: ”Entre os Dominicanos entraria com prazer, por S. Tomás, por Pier Giorgio (era terciário dominicano com o nome austero e santo do Savonarola) e também porque, preferindo colocar a serviço de Deus os talentos que me deu, preferiria uma ordem estudiosa.”
Antes que a meningite o abatesse definitivamente aos 22 anos, fez seu testamento: dividiu as 660 liras que possuía, destinando 600 a uma família necessitada de Chieti, 50 para uma Missa em seu sufrágio e 10 à sua mãe, como recordação. Como Pier Giorgio, morria pensando em seus pobres.

O engenheiro ao encontro de Cristo

“Alberto Marvelli” – disse João Paulo II em Rimini a 19 de agosto de 1982 – representa para todos um modelo e um chamado.” Nasceu em 1918 de família privilegiada; humilde e forte; empenhou-se na fé, na pureza, nos estudos e no trabalho de engenheiro, dedicou-se ao apostolado nos campos da caridade, administrativo e político.
Viveu em Rimini, sofrendo e trabalhando no período da guerra para salvar dramas e tragédias sem fim, tornando-se esperança e socorro para todos os desesperados. Foi dirigente da Ação Católica, presidente dos Laureados, membro da Sociedade Operária. Também para ele Pier Giorgio foi modelo de vida. Tiramos de seu diário espiritual:
“Devo progredir, continuamente, degrau por degrau, dia por dia, sempre aspirando pelo vértice máximo, Deus. Eu preciso,, eu quero.” (21 de março de 1939, seu 21º aniversário).
“ É inútil querermos nos fazer santos se não meditamos, se se corre atrás de cada pensamento frívolo, se não somos capazes de nos impormos um recolhimento vivo.” (23/8/1946).
Algum tempo antes tinha escrito:
“Amanhã completo 18 anos e proponho ser melhor em tudo. Me esforçarei em imitar Pier Giorgio Frassati. (março 1936). “ Estou relendo a vida de Pier Giorgio Frassati que já me fez tanto bem (era a biografia por D. Cojazzi) Oh, pudesse imitá-lo! Em sua pureza, bondade, caridade, piedade. É bem verdade o que disseram: a Terra não era digna dele. Ele imitou e seguiu Cristo muito bem“.
Somente Deus conhece o bem feito por esse jovem em seus breves 28 anos de vida, arriscando freqüentemente a pele por amor a Cristo e a seus irmãos necessitados. Um acidente, em 5 de outubro de 1946, interrompeu a vida de Alberto Marvelli, quando um caminhão desgovernado o atingiu enquanto, de bicicleta, dirigia-se a uma reunião onde se comprometeria, como sempre, em construir uma Itália mais justa para o homem, calcada sobre o Evangelho de Cristo. “ A Coroa do Rosário – escreveu sobre ele P. Ugo Rocco, S.J. – juntamente com o Ofício a Nossa Senhora que tinha no bolso além da Bíblia e do volume do Getsemani, encontrados junto a sua cama, são a herança e ‘o chamado’ que Alberto grita também para nós”. Na luz de Pier Giorgio, Alberto Marvelli foi beatificado por João Paulo II em 05 de setembro de 2004.

O professor torna-se Pe. Mariano

Chama-se Paolo Roasenda e nasceu em Turim em 1906. Nos anos de secundário e Faculdade conheceu Pier Giorgio Frassati e entusiasmou-se por ele em vida e mais ainda depois de sua morte. Tornou-se modelo vivente por seu exemplo. Formou-se em Letras, apaixonado pelas letras clássicas que ensinou com amor e competência durante diversos anos em alguns liceus da Itália, levando às escolas o Evangelho de Cristo que, sozinho, ilumina a cultura e dá sentido à vida.
Em 1940 o brilhante professor de latim e grego entrou na Ordem dos Capuchinhos, tornando-se Padre Mariano de Turim. Continuou a inspirar-se em Pier Giorgio e a falar freqüentemente dele como de uma luz que houvesse re-iluminado sua vida no mundo e que agora re-iluminava sua vida religiosa, também quando foi chamado para ser o responsável por uma popular chamada na TV, seguida por milhões de telespectadores. Alguns “fragmentos” de seu amor por Pier Giorgio.
Era comum relembrar “a comoção de toda Turim no dia tristissimo e estranhamente sereno de seus funerais”. Prosseguia acrescentando: “ Me perguntei muitas vezes por que este jovem que a morte arrebatou aos 24 anos, estandarte vivo de juventude cristã no mundo, é sempre relembrado e amado. Daqueles três dons terríveis que são a beleza, a juventude e a riqueza, quis fazer ótimo uso; amou o belo e o bom sempre; foi por isso amado por todos. Ele transformou através de suas diversas biografias milhares de existências de jovens e de homens, os quais, diante do fato consumado, sentem cair cada objeção, especialmente aquela mais tola que circula pelos salões, nos filmes, nos romances e no fundo do coração de cada um de nós: é possível ser puro?
”Como fez Pier Giorgio?” Pe. Mariano esclarece: “Com a força de sua vontade ajudada pela Graça de Deus… Encontrou linfa vital ao seu agir viril na Comunhão quotidiana, no Rosário que nunca deixava, em suas visitas aos pobres.”
P. Mariano apagou-se na primavera de 1972, após 17 anos de serviço na TV, fecundíssimo de bens, de conversões, de renovações de vida para muitos, após 32 anos de vida religiosa heróica, aos 66 anos de uma existência sempre generosa e grande. No início de seu caminho, se perfilou Pier Giorgio Frassati. Hoje já foi introduzida a causa de beatificação de pe. Mariano.

São alguns exemplos, os mais significativos, mas podemos citar outros. Se recolhêssemos as histórias de “santos”, amadurecidos no exemplo de Pier Giorgio, certamente resultaria um livro muito grosso, e mais, seria incompleto. O envolvimento de Pier Giorgio com os “picos” de Deus começou em sua juventude ardente e não termina nunca. Nesse envolvimento está também um jovem da Cracóvia, Karol Wojtyla, hoje João Paulo II. E também este escritor, que bem longe de ser santo, sabe caminhar com uma mão na mão forte de Pier Giorgio.

* professor,escritor,leigo consagrado na família domenicana.

Um forte

Giovanni Battista Montini, depois Paulo VI

Falar dele me é impossível. A mim não foi dado conhecê-lo pessoalmente e muitos daqueles que agora quisessem reinvocada sua figura, poderiam, muito melhor que eu, chamá-lo à nossa memória, relembrando os testemunhos da mesma. Além disso, após a louvável coleta de lembranças e testemunhos que foi feita sobre a vida de Pier Giorgio e que circula pelas mãos de todos, difícil seria para alguém acrescentar novos documentos, ou também dar-lhes interpretação diferente.
Não dele, portanto, mas de nós nos compete falar, quando o vamos comemorando na piedade da memória cristã; de nós, para quem a lembrança do jovem espontaneamente, afetuosamente reúne em torno ao altar que acolheu um dia as suas orações, e com uma alegria forte e profunda conforta e eleva.

De nossa parte, ante Pier Giorgio sete anos após sua morte, algo especialmente parece que deva ser dito. E é justamente este intimo e estimulante consolo que parece ser o sentimento mais pertinente para se lembrar dessa morte e para ter luz sobre nossa vida; é justamente, digo, esse consolo que nós agora devemos interpretar.
Por que a figura de Pier Giorgio nos é de grande conforto?

Se cada um de nós aprofunda em si mesmo esta pergunta, entrevê logo a resposta. A figura de Pier Giorgio nos é escudo contra uma das mais fortes e sutis tentações que afligem a vida espiritual; a vida cristã, a vida cristã autentica, completa, ávida de perfeição, representa agora uma concepção restrita e superada da existência humana, um ideal apagado, um mundo pequeno e fechado, um arcaísmo que só quem vive às margens do grande rio da atividade moderna pode fazer seu.

Os jovens compreendem o que digo, porque a tentação é, de fato, dirigida contra eles. Cada um deles que tenha mesmo que apenas roçado as correntes inspiradoras do moderno pensar, sente que deva fazer um esforço para permanecer interiormente fiel e convencido. Porque em cada um de nós dormem reminiscências de escola e de vida que com a potencia das fórmulas claras e esculpidas no engano de belas palavras, repugnam a Cristo.

O Chrit ! Je ne suis pas de ceux que la prière
Dans tes temples muets amène à pas tremblants…
Je ne crois pas, o Christ, à ta parole sainte,
Je suis venu trop tard dans um monde trop vieux.
D’un siècle sans espoir naît um siècle sans craint.
…Ta gloire est mort, o Christ; et sur nos croix d’ébene
Ton cadavre céleste en poussiere est tombe !

E essa tremenda sentença não saiu somente do soluço do infeliz De Musset; saiu calma e solene dos lábios de professores que nos pareciam, na escola, mais perceptivos e imparciais; e que dosando em benignas concessões a negação anticristã, admitiam o cristianismo ter sido um passo, uma etapa no progresso da história e da civilização, mas um passo e uma etapa que o século moderno não pode mais percorrer, sob pena de aprisionamento e retrocesso das conquistas da ciência e da consciência humana.

E a Igreja, a imensa sociedade de fiéis, foi prospectada sob a luz infiel de tais ideologias, como um organismo puramente exterior, sustentado por um fascínio de pueril e tradicional superstição, recoberto de ritos estranhos e antiquados, sobrecarregado de símbolos e de objetos até agora confinados na penumbra mofada das sacristias e incapaz de colocar-se de acordo com as poderosas correntes de vida contemporânea.

Ao contrario, esta vida contemporânea nos parece soberba e gigantesca, mesmo porque esquece das antigas regras com as quais a concessão cristã a bloqueava no livre curso. E da complexidade das organizações industriais e sociais, da variedade dos mil divertimentos novos e sedutores, da riqueza vital do risco e do exercício esportivo, de todas as descobertas, das inovações e dos movimentos do nosso século, quantas vezes entrou em nossa alma um fascínio misterioso e sugestivo, um entusiasmo que eleva e paralisa ao mesmo tempo, uma força exultante e excessiva, que nos levava longe do tranqüilo e reto caminho de Cristo e nos parecia colocar no fundo da alma a irredutível antítese: ou ser modernos, ou ser cristãos. As duas concessões se excluem ! Como ser, então, ainda cristãos? Eis a tentação.

Pier Giorgio responde com sua vida. É a sua, uma primeira, intuitiva resposta, que salta aos olhos de qualquer um que observe aquela vida, seja ele irmão de fé ou não.

Ele é um forte.

Seu perfil físico deixa transparecer essa característica, tão desejada pelos jovens e tão exaltada pelos modernos. A fantasia repete para ele o que se verificou com S. Luis Gonzaga, quando para representar esse santo se escolheu o famoso quadro atribuído a Veronese, onde em uma viril e gentil figura de jovem parece refletir um caráter vigoroso e atrevido. O vemos, e era assim: robusto, são, correto.

Assim o viram aqueles que o olharam de fora. Antes de perceberem que era de essência santa, viram que era de essência forte. Viram que era um homem. O testemunho do jornal socialista milanês, ao tecer sua necrologia, sintetiza assim o admirável jovem: “era verdadeiramente um homem Pier Giorgio Frassati”.

Nem o julgamento dos que o observaram de perto, nem a intimidade quotidiana, reveladora do temperamento e do caráter, soa diferente.

Cabeça dura o chamou a família.

Força física e fortaleza de caráter nos descrevem esse irmão maior. E os episódios mais eloqüentes de sua vida são precisamente episódios de vigor, valor, energia. Basta relembrar aquele que para os jovens soa como o episodio fundamental, por ser o mais dramático: o episodio da bandeira agredida nos famosos acontecimentos de Roma: episodio de um valor simbólico claríssimo, quando, dobrado e despedaçado o mastro, eleva-se e agita-se inflexível a bandeira do ideal.
E penetramos assim a profundidade dessa fortaleza, bem diferente da insolente explosão de violência e arrogância pelas quais tantos foram temidos na época, porque a fortaleza radicada na alma, coerente com o pensamento, derivada da razão, militante por coisas boas e certas, expressa-se em formas e sentimentos nobres e generosos. Não fácil exuberância de paixões desordenadas.

Quem colheu a impressão dada por ele nos momentos mais calmos e de recolhimento da vida, aqueles dos exercícios espirituais, quando a alma se expõe com perfeita sinceridade e revela voluntariamente os segredos interiores, nos confirma: “ Para mim – escreveu padre Righini – ele se tornou mais que tudo o exemplo de uma fortíssima e férrea vontade de caráter ”.
Escutemo-lo : “ tudo se resume na fortaleza da alma!”
Pois bem, isso faz pensar.

Faz pensar em duas ordens de consideração. A primeira diz respeito à vitalidade superior desta existência: ela é verdadeiramente juventude. Ela tem para si o amanhã, o porvir. Ela é de fato, o que no mundo moderno é muitas vezes apenas desejo. Ela tem algo em si de mais belo e maior que qualquer outra manifestação de vida.
E a segunda nos leva a indagar o segredo dessa plenitude vital, dessa espiritual superioridade. O segredo está talvez escondido no carisma cristão, singularmente poderoso no fundo dessa alma jovem? Isso importa saber.

Ele, com todos franco e aberto, com poucos abriu-se em grandes confidencias sobre seu trabalho interior. Mas os testemunhos abundantes e a transparência do escondido comando revelam a intima inspiração do estilo visível: a sua fortaleza foi perfeição interior antes de ser explicação exterior. Fortaleza era auto domínio.

Autodomínio era castigar-se.

Era forte, porque austero.

Austero e doce, ou amigo; austero e vivo. Devido à comunicação com Deus consolador, suave hóspede da alma, frescor interior, atingia vivificante alimento. Entre a tua obra externa, a tua interna retidão moral e a tua assiduidade ao altar de Deus existe relação certíssima. Um dia talvez a Igreja nos dirá que realmente tudo te veio da força de Deus.

Deus.

Segredo da tua juventude.

Ausência de Deus: presumida superioridade do mundo moderno.

Deus: fonte e fundamento das virtudes básicas sobre as quais se rege a vida moral, social, intelectual. Das virtudes “primitivas” que são a juventude do mundo e os recursos da civilização. Daquelas virtudes primitivas que tornam linear, límpida, fraterna e robusta a figura de Pier Giorgio.

Deus, segredo dessa admirável juventude, nO qual acreditou e amou como pai, como fonte da vida, como inefável dom que dilata a alma até os confins do infinito, que a inebria de maravilha e alegria, a torna muda na adoração e lírica de canto e de gaudio, a queima de casta pureza e inunda de incomparável amor.
Rico dessa força Pier Giorgio é moderno e jovem.
É por isso que toda a sua vida é dominada de uma firme consciência de renovação, ação e militância.
É por isso que um capitulo de sua vida se intitula: A alegria de viver. O cristianismo é uma exaltação à verdadeira vida.

É por isso que do coração e das mãos de Pier Giorgio irradia continua caridade. A caridade ao próximo é a manifestação de vida que melhor espelha aquela de Deus: a sua paternidade universal, a sua magnificência, a sua bondade, a sua essência. É a melhor comprovação que atesta a coincidência da religião com a vida. É um ato de fé prática que afirma estar Cristo no irmão necessitado.

Esta foi a suprema declaração cristã de Pier Giorgio: o ultimo esforço.

O que nos fala, então, o exemplo deste irmão?
Nos diz que o cristianismo é a força da verdadeira juventude.

Nos diz que o cristianismo é forte, não mais na grandeza que fascina o mundo; mas é forte e vivo na humildade de suas virtudes interiores e severas: é forte quando vivenciado com sacrifício. É forte quando está doente da enfermidade resultante da cruz. Nos diz como podemos olhar sem susto e sem hostilidade a fulgurante potencia do nosso século, não falando mal das coisas, mas auto dominando-nos.

Nos diz enfim quanta beleza, quanta força, quanta juventude, germina nas humildes fileiras das nossas associações, quando aqueles às quais pertencem vos infundem o que procurais, dão aos companheiros o que deles requisitam, desenvolvem o programa para o qual são direcionados, vivenciam a idéia que vos é anunciada.
Nos diz que se nós, como Pier Giorgio, temos o lema mihi vivere Christus est, temos, como ele, diante de nós, o caminho do amanhã e o caminho da eternidade

* Discurso comemorativo pronunciado em 3 de julho de 1932, em Turim, na Igreja da Crocetta. “Revista dos jovens”, setembro, 1932.

Um modelo para os jovens: Pier Giorgio Frassati

Paolo Risso

Testemunhou Cristo por toda parte, sem medo

Por vários decênios, na Ação Católica, conhecia-se Pier Giorgio Frassati como exemplo mais impetuoso e envolvente. Forte, bonito, inteligente e sobretudo apaixonado por Cristo até ao heroísmo. Assim se doava aos amigos, aos pobres, sonhando em formar para si uma família verdadeiramente cristã, antes que algum mal fulminante lhe truncasse a vida.
Viam-no passar pelos campos de Biella sobre seu cavalo Parsifal. Pelas ruas de Turim, com amigos e amigas fazia barulho por quatro. Agarrava-se aos altos picos dos Alpes, ágil e forte, arrastando-se atrás dos pequenos, com seus músculos de aço… Um semblante aberto ao sorriso e à risada franca. Simpático, envolvente, se fazia amar.
Assim era Pier Giorgio Frassati, filho do senador liberal Alfredo Frassati, fundador, proprietário e diretor do La Stampa, embaixador da Itália em Berlim. Nasceu em Turim, dia 6 de abril de 1901, um Sábado Santo.
Através da mãe, de seu primeiro instrutor – o salesiano D. Cojazzi – e de seus professores, Píer Giorgio recebeu uma clara formação cristã, complementada pelo Instituto Social dos Padres Jesuítas. Pier Giorgio descobriu muito cedo o Cristo como seu primeiro Amor: se sentiu amado por Ele e chamado a intercambiar com Ele um afeto extraordinário.

Uma vida como paixão de amor

Ama os outros, é generoso, altruísta. Goza de todas as realidades bonitas da vida, a natureza, a arte, a amizade, as brincadeiras ingênuas, o esporte. Os pequenos, os últimos, são seus prediletos. Pensa utilizar a vida como dom de amor entre os trabalhadores mais oprimidos pelo cansaço: os mineiros. Por isso, após terminar o curso Médio, se inscreveu no Politécnico de Turim para se tornar engenheiro de minas. Existe um fato único na vida de Pier Giorgio: o Cristo que transforma tudo e o mobiliza por todos os caminhos para torná-Lo presente e mudar o mundo. Pier Giorgio estuda e convive com os amigos, reza intensamente, com o Rosário entre as mãos, vai receber a Sagrada Eucaristia todos os dias. Depois se empenha na sociedade e na política. Faz parte de forma muito ativa das Conferências de S. Vicente e serve aos pobres nos sótãos (N.T.: na época, na Europa, os pobres habitavam os lugares mais altos das construções, que também eram os mais frios e insalubres). Participa do Círculo Universitário Cesare Balbo, inscreve-se no Partido Popular apenas iniciado, dedica-se aos mais humildes e luta contra o fascismo nascente. Dá seu nome aos “Adoradores noturnos” e passa as noites em oração, na frente do Tabernáculo; apaixona-se pelas montanhas, pelas corridas de bicicleta e de automóvel.
Os amigos o seguem porque é um verdadeiro líder, humilde, tenaz, fascinante. Incute respeito aos liberais como seu pai e aos socialistas como Filipo Turati. Os fascistas o temem porque experimentaram um dia na própria pele seus terríveis socos.
Apaga-se acometido por uma poliomielite fulminante, adquirida de seus pobres, em um sótão, a 4 de julho de 1925. Seus funerais são um triunfo.

A fé como fonte puríssima

Estes são os 24 anos de Pier Giorgio Frassati. É bom para nós de hoje olharmos o fundo dessa existência. No princípio de tudo há a sua fé, uma fé forte, transbordante, alegre. Retiramos de suas cartas:
“Sozinho não farás nada, mas se tiveres Deus como centro de toda tua ação, então chegarás até o fim”.
“O único conforto é a fé, único vinculo poderoso, única base segura”.
“Só a fé pode ser minha esperança, a única e verdadeira alegria é a fé”.
Não conhecia respeito humano. Tinha uma fé aberta, declarada com despojamento, com extrema naturalidade e tranqüilidade como expressão de vida, frente a qualquer um, fosse liberal ou socialista. Um dia foi insultado por um socialista que lhe desfechou um soco. Pier Giorgio lhe respondeu calmo e decidido: “Sua violência não pode superar a força da nossa fé, porque Cristo não morre”.
Sua fé lhe dava um impulso sem limites em direção à santidade: essa era sua maior aspiração. Daí sua oração simples, ardente, um verdadeiro diálogo de amor com Deus. Capaz de ficar em jejum desde a meia noite – como era costume na época – até o final da tarde, para receber todos os dias a Comunhão. Ou de desfiar de joelhos seu Rosário a Nossa Senhora, ao pé da cama, depois de uma jornada de escola e estudos, ou de uma cansativa e alegre excursão pela montanha, ou ainda no trem, em meio a ruidosos amigos.
Existe um grande amor na vida de Pier Giorgio: o Cristo.
Diante do Cristo, Pier Giorgio tinha conquistado uma virgindade, uma pureza angélica: para ele tudo era límpido e puro, não havia malícia ou duplicidade.
Também sabia amar com o coração de um homem: Laura Hidalgo foi sua jovem amada, à qual renunciou para não contrariar seus pais, porque ele, não outro, devia sofrer.

Cristo operante na história

Com a alma assim formada, Pier Giorgio queria entrar na sociedade. E entrou com a força de seus 20 anos, possuídos pelo Cristo, que aparentavam – como disse um seu amigo – “uma avalanche de vida que quase assustava”.
Com o coração repleto de luz e amor, sustentado pelo exemplo de seus santos, Pier Giorgio, rico burguês filho de um senador, subia aos altos sótãos de Turim, andava pela periferia em meio aos pobres e aos doentes, levando o serviço alegre da sua caridade.
Privava-se de tudo, também do mais necessário, para fazer feliz uma criança ou um velhinho. Mortificava seu orgulho estendendo a mão para seu pai e pedindo-lhe dinheiro para seus pobres; aproximava-se dos doentes mais necessitados com coração de mãe para prestar-lhes os serviços mais humildes e desagradáveis.
Perguntaram-lhe uma vez: “Como você faz para vencer a repulsa?” Respondeu: ”Não esqueça nunca que se a casa é sórdida, você se aproxima de Cristo. Foi Ele quem disse: O bem feito aos pobres, é feito a mim. À volta do miserável eu vejo uma luz particular que nós não temos.”
Mas a caridade de Pier Giorgio se dilatava também no empenho político e social. Enquanto Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista, escrevia naqueles anos: “O mito cristão dá pena por sua impotência e esterilidade” e exclamava: “ Oh ! juventude decrépita do catolicismo !”, Pier Giorgio testemunhava como o Cristo entra na cultura, na escola, no debate social e político e tudo se transforma, vivifica e renova.
Rejeitava do modo mais absoluto o comunismo, porque ateu e violento, mas chamava os fascistas de “um bando de enganadores”, “o flagelo da Itália”. Fez sua inscrição no Partido Popular de D. Sturzo e de De Gasperi, compartilhando com eles os ideais de liberdade e promoção social. Estava interessado nos problemas de reconstrução da Alemanha destruída, quando foi com o pai para Berlim; debatia com os amigos os problemas dos operários e dos trabalhadores, com grandes projetos a realizar quando, após a graduação, pudesse trabalhar entre o povo.
Pier Giorgio sabia que quando o Cristo chega, renova todas as coisas. O seu cristianismo não era dividido: era integral. Era um homem todo de Deus.

Um jubilo impetuoso, sem limites

Quem se aproximava dele sentia a palpitação forte da vida. Pier Giorgio, todo de Deus, era um jovem feliz, mesmo na dor lancinante. Escrevia: “Cada católico não pode não ser alegre: a tristeza deve ser banida de nossos ânimos. A dor não é uma tristeza, que é uma doença quase sempre produzida pelo ateísmo.“
Diziam dele: ”Tinha um modo todo seu de tornar a fé fascinante. Projetava de forma tão viva e espontânea o que tinha dentro de si que chegava a impressionar”.
Muitos que não tinham simpatia alguma pelo catolicismo, sentiram quanto de cálido, de viçoso, de extremamente jovem e envolvente, existia na letícia de Pier Giorgio.
Essa alegria não veio pouca, exultou nele como em quem vai ao encontro do Amor desejado e esperado, quando, semi paralisado, sobre o leito de morte, aos 24 anos, o sacerdote lhe anunciou: “Pier Giorgio, e se a vovó o chamasse no Paraíso?”. Ele respondeu: “Oh, como ficaria feliz!”
Aquele dia do início de julho de 1925, Pier Giorgio ia ao encontro do Amor, da Vida.
Depois de mais de 50 anos, seu corpo, exumado em 1981 no cemitério de Pollone, perto de Biella, surgiu intacto; Pier Giorgio ainda estava viçoso e bonito como um menino. Talvez fosse essa “a assinatura” de Deus no “jovem rico” que tinha sabido dizer “sim” a Cristo até o fim.

* Escritor autor de vários livros.

Para o alto!

Renato Romanelli

Domingo, 7 de junho de 1925: sobre a sua amarronzada fotografia, Pier Giorgio Frassati escreve, à mão, “Para o Alto”. O retrato mostra-o, destacadamente, agarrando-se com suas mãos nuas ao monte Lunelle, a 2772 metros. Foi a sua última excursão… Foi o seu último feliz domingo com a Sociedade dos Tipi Loschi, o alegre grupo de amigos alpinistas, nascido em maio do ano anterior…

É a despedida de sua tão amada montanha, mas ele não o sabe. Já de volta à casa, no calendário, marca dois compromissos: uma excursão a 29 de junho ao refúgio Castaldi, sobre Balme, para a festa de São Pedro e São Paulo; e, o “presente” que queria dar a si mesmo pela formatura que teria em breve, o Cervino, “o obstáculo mais fascinante do mundo”. Os amigos, porém, o esperarão em vão. Sim, seus amigos esperarão inutilmente a Robespierre, o grande encorajador da Sociedade Tipi Loschi.

Pier Giorgio morreria em um mês, em apenas seis dias, de poliomielite fulminante. Tinha apenas 24 anos (havia nascido a 6 de abril de 1901). E tinha os sonhos e os entusiasmos próprios daquela idade.

Até então, tinha vivido anonimamente o filho de Alfredo Frassati, homem de prestígio e de poder, dono e diretor do jornal Stampa, famoso jornalista, senador do Reino e embaixador da Itália em Berlim. No dia de sua morte, a 4 de julho de 1925, e, principalmente, dois dias depois, durante o funeral, o véu rompeu-se e Pier Giorgio apareceu diante de todos com uma nova luz: a família, os amigos, enfim, toda a cidade descobrem que aquele rapaz, estranho e um pouco louco, que subia nas árvores e cantava escancaradamente para fazer a sua avó sorrir, aquele que declamava com sua voz potente Dante e Manzoni, havia morrido em odor de santidade.

Chegaram aos milhares os testemunhos que descreviam um Pier Giorgio Frassati totalmente desconhecido: um Pier Giorgio que renunciou aos seus privilégios por amor aos outros; um Pier Giorgio que economizava para dar aos pobres; um São Francisco do século XX.

Perguntaram-lhe certa vez: “Frassati, por que você viaja sempre na terceira classe?”… “Porque não existe quarta”, respondeu. Com o dinheiro que juntava secretamente, fazendo renuncias para economizá-lo, adquiria medicamentos para quem não podia comprá-los, ajudava aos abandonados, dava uma mão aos desesperados que encontrava nas favelas ou sob as pontes; fazia isso tanto em Turim como em Berlim, tanto no verão como no inverno. Pier Giorgio movia-se de uma conferência vicentina a outra. A Sociedade São Vicente de Paulo era apenas uma das numerosas associações católicas as quais adere; entretanto, muitas vezes, ele agia solitariamente. E sempre sigilosamente, longe da vista de todos, pois, como adverte o Evangelho, “a direita não saiba aquilo que faz a esquerda”. E Pier Giorgio assim desejava: que ninguém tomasse conhecimento de suas obras de bondade. Até mesmo os seus ajudados eram estranhos uns aos outros. Encontrar-se-ão todos juntos apenas para cantar os seus louvores, no seu funeral. E descobrir-se-ão tantos!

As ações quotidianas de Pier Giorgio Frassati compõem um conjunto de eventos exemplares – semelhantes àquelas que, poeticamente, Joyce definia como epifanias –, que anulam a aparente contradição entre as origens burguesas e a heroicidade da virtude, a qual a Igreja, em maio de 1990, tinha-o elevado às honras dos altares, proclamando-o beato: O santo leigo, o santo da Turim burguesa.

Rosto moderno ainda hoje, belo com um galã do cinema de então, Pier Giorgio Frassati amava o esporte ao ar livre. Segundo os amigos, era um atleta nato e poderia praticar qualquer esporte que quisesse. Na primavera, remava com prazer no rio Pó; no inverno, tinha um compromisso imperdível com o esqui nas pistas de Monginevro ou de Gressoneu Saint-Jean. No verão, saía, muitas vezes, de bicicleta e, com desenvoltura, percorria os oitenta quilômetros entre Turim e Pollone. Ou ia, ainda, a Sandigliano Biellese, cavalgando na garupa do Parsifal, o impetuoso cavalo baio irlandês do senador (“era o único, além de papai, que sabia domá-lo”, conta ainda hoje, com um pouco de inveja, a sua irmã Luciana, sua primeira biografa e tenaz testemunha). Aos quatorze anos, Pier Giorgio já sabia dirigir. Nas cartas de sua mãe – um pouco assustada, um pouco orgulhosa – e nos relatos dos habitantes de Pollone, encontram-se os ecos da impressão do destemido rapaz que queria imitar Bordino, o Schumacher daquele tempo.

O que Pier Giorgio Frassati mais gostava, porém, era das montanhas. Conhecia-as desde criança e teve facilidade para conquistá-las rapidamente. Fez as primeiras excursões com o pai e ficou fascinado para sempre: “Montanhas, montanhas, montanhas: eu vos amo!”, escreveu em seu diário. Em seus escritos, ainda se lê: “Eu deixei meu coração entre esses montes com a esperança de reencontrá-lo quando retornar”. E ainda: “Mas como se pode resistir à tentação da neve?”

Inscreveu-se no Cai, em dezembro de 1917, conquistando um sonho. No ano seguinte, consegue carteira de associação do Touring e, depois, a da Jovem Montanha, uma associação nascida em 1914. Convocou os amigos, os ex-companheiros da escola e os colegas da universidade, formando um grupo (os Tipi Loschi). Fez parte desse grupo Laura Hidalgo, a secretária dos Tipi Loschi, que se tornou o amor secreto de Pier Giorgio; conheceram-se durante uma festa de carnaval nas montanhas, em 1923. Renunciará, porém, a Laura para dar apoio a sua mãe, Adelaide Ametis (uma pintora intimista), quando os contrastes mais agudos evidenciaram-se entre o senador e a esposa (estavam a ponto de separarem-se).

Era, portanto, um rapaz como tantos outros, mas apenas na aparência. Pier Giorgio tinha suas idéias, suas paixões, suas esperanças. Mas, tinha, sobretudo, uma vida consciente, convicta, obstinada e irrenunciável coerência com a mensagem do Evangelho. A partir do momento que aderiu a muitos grupos católicos (Companhia do Santíssimo Sacramento, Congregação Mariana, Conferência de São Vicente e outros), muitas vezes, recolhia-se em oração e todos os dias aproximava-se do Sacramento da Comunhão. Chegaram a lhe perguntar, um dia, se ele sentia-se chamado ao sacerdócio… Pier Giorgio respondeu com extraordinária solidez moral: “Eu quero ajudar minha gente de todas as maneiras, e isso eu posso fazer melhor como leigo do que como padre, pois, aqui, os sacerdotes não são tão próximos do povo”.

Este era o motivo pelo qual ele queria tornar-se engenheiro mineral: para estar próximo a uma categoria específica de trabalhadores, o mineradores. Não desdenhava do empenho político; identificava-se com o Partido Popular Italiano e sabia ser rígido com todos aqueles que aderiam ao fascismo (“um flagelo da Itália”, dizia). Sabia fazer-se respeitar, levantando os punhos se necessário. Como quando uma quadrilha de fascistas tentou entrar na sua casa. Pier Giorgio era crítico nos confrontos com o pai, um liberal convicto. Talvez, eles tenham entrado em acordo apenas uma vez: quando ambos se mantiveram contra o ingresso da Itália na guerra. Pier Giorgio, rapaz, seguia ansiosamente o desenrolar do conflito, “rezava todos os dias pelos mortos na guerra e pela família deles”, narra a sua irmã Luciana. Quando a paz foi anunciada, Pier Giorgio atravessou rapidamente toda Pollone, subiu em todos os campanários e liberou sua alegria tocando os sinos. E diziam que ele era louco.

* Renato Romanelli, Enviado do L`Stampa. da Specchio della Stampa, 10/06/2000