Rafael Taniguchi*
Peço perdão à Tradição Apostólica e que me corrija o Sagrado Magistério se o que disser estiver eivado de erro, mas sempre considerei, pelo nada que sei do Tudo, que uma das características mais fascinantes do Bom Deus é Seu exagero. Penso, por simples questão de experiência, que a Divina Pessoa do Senhor é exagerada… Que tal asserção, pelo Amor dEle, jamais possa soar como blasfêmia, mas como pura declaração do meu claudicante amor de filho perdulário. É que enxergo, com bastante clareza, esse exagero na criação. O sol, por exemplo, não precisava ser tão brilhante nem tão quente; o mar não precisava de tanta água nem a terra, de tantas montanhas. Não há necessidade alguma de tantos desertos e tantos grãos de areia neles. Qual a razão de tantas florestas, tantas árvores, tantas folhas nas árvores? Precisava haver um bendito pôr-do-sol totalmente único todo santo dia? E o universo!? Que excesso de grandeza! Tantas estrelas, tantas galáxias, tanta distância!
Vejo, igualmente, os exageros da atuação do Bom Deus na história dos seus eleitos: Abraão não precisava de tantos filhos; Isaac e Jacó, de tantos bens. E aquele exagero todo que o Senhor fez com Moisés? Para que abrir o mar daquele jeito exorbitante? Bem que o povo podia fazer a travessia em embarcações ou, sei lá, por outra opção mais viável. E que história excêntrica é esta do Josué parar o sol? Davi, também, não precisava de tanto poder militar nem Salomão, de tanta prosperidade! Nossa Mãe Maria Santíssima precisava ter o coração tão humilde, tão sábio, tão prudente, tão clemente? Ela bem que poderia ao menos responder um “oi” diante da saudação angelical, já que se tratava de anjo e não de serpente, mas a prudência foi mais que absoluta. Ela poderia ter ficado descansando em casa, como Eva estava à sombra da árvore da vida, ao invés de sair correndo para ajudar a prima idosa – um gesto de insuperável humildade para alguém que acabou de ficar sabendo que é Rainha. Porque ela pediu para o Seu Filho antecipar a hora do próprio Bom Deus se os noivos das Bodas de Caná nem reclamaram com ela da falta de vinho? Com razão o Senhor indagou: “Mulher, porque te intrometes?”. Intrometeu-se porque é observadora silenciosa e há tanta clemência na Nova Mulher, que ela se antecipa à falta de vinho de que padecem nossas vidas e intercede antes mesmo de sabermos de nossas necessidades. Que exagero de Mãe o Bom Deus escolheu para Si e para nós!
Tal Pai, tal Filho, não diz o ditado? O Senhor Jesus patenteia muito dessas demasias tão divinas. Já conheci muita gente pobre, mas nunca um pobre que tenha nascido em um estábulo. Francamente, que pobreza exacerbada! E a adúltera? Na minha opinião, ela merecia, ao menos, uma bronca do tipo: “olha, fulana, eu aliviei a tua, mas qual é, né? Cria vergonha nesta tua cara!”. Que Misericórdia transbordante aquele “Nem eu te condeno”! Que doçura aquele silêncio não inquisitório, mas revestidor – não quebra uma cana rachada, não apaga uma lâmpada que ainda fumega! Outra coisa: é tarefa difícil entender o Deus onipotente se encerrar em um Homem, submetido à matéria e ao tempo, mas me é impossível sequer intuir a beleza da atitude desse Deus encarnado que se torna amigo íntimo dos homens – lembro-me de João reclinado em Jesus na última ceia. E para que uma morte daquela? O Seu Amor já não seria inconteste apenas pelo fato de ter vivido conosco? O sacrifício de Alguém de natureza tão excelsa ter que se rebaixar tanto para viver com gente do nosso naipe já me parece suficiente para retificar todos os erros da humanidade inteira, mas o Bom Deus preferiu se submeter, Ele mesmo, à nossa morte – o mesmo Bom Deus que se comoveu diante da viúva de Naim! E que morte é essa, a da Cruz? Porque não escolher enforcamento? Envenenamento seria mais fácil, não? (Olha a elegância do Sócrates!) Que exagero de morte, que exagero de feridas, que exagero de dores, que exagero de humilhação… Há tanta abundância nessas demonstrações que a eternidade não parece ser um “tempo” razoável para que os eleitos da Santa Igreja discriminem e assimilem tamanhas dádivas, de um Deus intangivelmente generoso, que dá muito além do que podemos pedir e imaginar.
A Luz desses exageros magnânimos é mais que suficiente para preencher cada fresta da História, pretérita e futura, e solucionar todos os desentendimentos, toda injustiça, todo desmando. Chove, sobre cada homem deste mundo, mais graças do que ele pode aproveitar. Mas como se não bastassem tantas riquezas e prodigalidades, o Bom Deus ainda insistiu em dar à criatura amada todos os meios de salvação, de elevação, de dignificação de modo que, diante da Justiça, ninguém possa comparecer e dizer: sou ruim porque não conheci a bondade na minha vida. De fato, ao dar As Chaves ao Sumo Pontífice Pedro e instituir Sua Igreja, o Senhor Deus, mais que a faculdade de reabrir as portas do paraíso fechadas a todos por Adão e Eva, entregou-se a Si mesmo: o Seu Corpo, a Sua Misericórdia, a Sua Justiça, os Seus Dons, a Sua Santidade, o Seu Sacerdócio, a fim de que os homens fossem, mais uma vez, uma só coisa nEle, como Ele o é no Pai. E é apenas disso que trata a imensa loucura do cristianismo: sermos transformados, pela Graça gratuita, no Cristo – e o próprio Deus por tabela!
Por isso, com muita razão, os santos dizem crer na Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a Nova Jerusalém, a antecipação do Reino dos Céus! Mas dir-nos-iam os experts em história dos clichês: ó, católicos obtusos, vocês não enxergam os erros institucionais! Dir-nos-iam, igualmente, as ressentidas e sempre invejosas viuvonas do comunismo: ó católicos burgueses, vocês são viciados em ópio, incapazes de enfrentar a realidade (detestável auto-projeção). Dir-nos-iam, ainda, os ímpios que se modificam caoticamente como células cancerígenas: católicos idólatras, babilônia, adoradores da besta, vocês deveriam orar e conhecer o jesus-instant-delivery-boy, entregador de bens terrenos e mestre das sensações teofânicas. Mas mesmo os ataques desferidos contra a Santa Igreja Católica servem à pródiga Providência: estimulam o crescimento, aprofundam a consolidação dos Fiéis e, deste modo, apesar de serem detestáveis, as perseguições devem ser vistas não como mera circunstância passageira, mas como prerrogativa basilar do verdadeiro discípulo do único Senhor. Até mesmo os anjos caídos, embora não o queiram, se rendem instrumentos utilíssimos do Bom Deus e nos mostram com grande clareza que nosso único mérito é a Misericórdia Divina. Portanto, não há na alma católica a pretensão de ser imaculável. Nunca cremos que o fossemos (como a mídia, quando nos acusa, acha que ela mesma o é), mas nossos terríveis erros não nos espantam nem um pouco. Nossa liberdade é ferida pelo pecado e nosso único mérito é a Misericórdia!
Esse Mérito da Misericórdia, e só Ele, sustenta a proficuidade misteriosa dos Sacramentos. Desse mérito os doutores haurem o sumo dos dogmas, os luzeiros que iluminam os passos da Divina Esposa. Por esse Mérito se tornam válidos os sacrifícios dos mártires e inocentes e é nele onde a Igreja Militante bebe a saciedade. Pela força desse Mérito, os piores pecados simplesmente deixam de existir quando os réus se proclamam culpados diante do divino Tribunal da Igreja, o Confessionário. É o fogo desse Mérito que dá vida aos santos e os orna dos dons que atraem nossa veneração. Só esse Mérito repara a verdadeira liberdade do homem e o acorda da anestesia mórbida causada pelo pecado.
Bem, e o que fazem estas minhas divagações no site de P. G. Frassati? Ora, ele me foi instrumento dessa Misericórdia tão larga! Foi por ele que passei a me incomodar com meu comodismo. Frassati foi, para mim, o rosto alegre e jovem dessa Igreja que acabo de mencionar, mas que antes eu julgava ser enfadonha e anacrônica. Ao contrário, ele me inspira a defender corajosamente essa Igreja, a despeito da minha pusilanimidade… Frassati me importunou com a Verdade certeira, com a Meta, com a Direção, apesar dos meus pobres relativismos e contemporizações – quem é amigo de Frassati sabe quão intransigente ele sabe ser. É esse amigo que me ensina a apreciar a verdadeira beleza da criação: ele via, com clareza, o reflexo do Criador nas criaturas e, não servindo a elas, se servia delas para chegar a Ele. Sinto aquele apaixonado “Montagne, montagne, montagne! Io vi amo!” dentro de mim.
Quem, ao conhecer Pier Giorgio Frassati, não se sentiria intimado a lutar até o fim pela verdadeira Vida? Quem permaneceria ileso ao entrar em contato com a vitalidade de sua caridade, de sua ternura, da sua estrondosa jocosidade? Parece-me impossível que alguém não se emocione ao ler determinados episódios da vida de Frassati: suas lutas, seus empenhos, suas renúncias, sua grandeza, sua morte. É claro que ele é uma “baita” inspiração! Para mim, entretanto, ele é muito mais que um exemplo: ele é amigo mesmo, pra valer, daqueles que estão presentes sempre que você precisa ou mesmo quando acha que a presença deles é impertinente. O Frassati esteve presente comigo nas melhores amizades que tive na vida, nos meus momentos mais divertidos… Ele estava lá, também, nas perdas… Está presente nos meus planos e, talvez, se não o tivesse conhecido, jamais saberia o verdadeiro significado da palavra “apostolado”. Nem sei contar quantos amigos ele me apresentou – e olha que ainda não fiz trinta anos…
Pier Giorgio me chama continuamente Para o Alto, mas, além disso, a sua presença amável evoca a intuição daquela Magnanimidade que tentei descrever puerilmente acima… Eu e ele vivemos em uma sociedade agnóstica, em tempos que, ser verdadeiro católico, é tarefa solitária. Como agradeço a esse Bom Deus por ter escolhido Frassati, este sinal exuberante de santidade, para me fazer descobrir o desejo doloroso que tenho do Céu! Que saudades tenho deste Patrimônio que nunca tive, mas irei possuir! Bendita seja, ó Comunhão dos Santos, ó Corpo Uno do Nosso Senhor! Que instrumento salvífico fantástico o de irmãos, o de amigos que se amam! Nem a morte nem o tempo podem destruir esse vínculo! As virtudes dos fortes indulgenciam o vício dos fracos! Mais uma vez, o Senhor nos dá mais do que podemos lhe pedir.
Ó, meu tão querido amigo do Céu, Pier Giorgio Frassati! Perdoe-me pelos excessos e se mudei mil vezes de estilo ao tentar escrever sobre você, mas trata-se apenas da tentativa pífia de responder a tanta Bondade! Como nosso Senhor é Bom! Como é Grande!!! Brado contigo e com Santa Catarina: Jesus Doce, Jesus Amor! Essa maravilha que eu sinto não é ainda o Céu? Não consigo imaginar, então, o que seja! Pier Giorgio, amigo daqueles que não tem amigos, obrigado pela força da tua vida! A vida que não é tua, mas dEle! É Ele mesmo quem vive em você agora e, por essa razão, você está tão vivo quanto estava nas excursões às montanhas! Meu querido amigo, ajuda-me a alcançar o arrependimento verdadeiro! Auxilia-me a subir esta montanha tão difícil e a lutar incansavelmente pela Verdade de Cristo! Meu virtuoso Amigo dos pobres! Atleta do Reino de Deus! Anima-se muito o fato de que, quando chegar ao Alto, estaremos juntos a contemplar, naquele ar puro da Glória a que fomos destinados, a Grandeza do Criador! Obrigado, meu amigo Pier Giorgio!
Bendito seja o Senhor nos seus anjos e nos seus santos!
*Psicologo e grande entusiasta de Pier Giorgio.