Pier Giorgio Frassati – Crônica dos Funerais

Luigi Ambrosini (1883-1929)

No raptar à vida e à família – de cujo nome era o único herdeiro – este jovem de 24 anos, resistente e são como um alpino de nossos vales e bom, de uma bondade comovente de pequeno santo, a morte foi pouco menos que fulminante, como se tivesse horror da própria e desapiedada obra. No espaço de pouco mais de um dia, o filho e irmão adorado foi tirado de súbito da convivência serena do mundo e daquela palavra que nele era infalivelmente expressão de afeto e ternura: única e ultima ligação de sua humanidade, no corpo que um frio crescente invadia, foram os olhos, com os quais ele procurou em vão consolar a dor infinita dos seus, antes de fechá-los diante de seu desespero. O mal que o arrancou a uma adoração que agora se voltará à sua memória, talvez o tenha também impedido de sofrer: E no mais, ele tinha uma alma tão cristã, que se alguma dor sentiu nas ultimas horas, soube certamente a quem oferecê-la, e até onde elevá-la, muito acima da vida quotidiana, muito acima da terra. Não podemos relembrar Pier Giorgio sem lembrar aquela que era a Pátria de sua alma, a fonte não terrena de seu pensamento, o refugio seguro de sua existência mais sublime. A fé mais firme tinha nele alimento e carícia de ingenuidade infantil. Vivia na verdade como se dela não tivesse saído nunca. Era tão jovem e tinha sido sempre tão correto e tão coerente, que não a tinha conquistado, mas sim, nunca a perdera. Foi o dom mais profundo de sua vida, que não o abandonou jamais, que jamais seria perdido ou consumado mesmo se o destino o tivesse feito viver até avançada idade.

Existia nele uma veia de misticismo tão pura e profunda que desde os primeiros anos o tornou avesso a qualquer bem estar mundano e a toda riqueza material da vida. Nascido na riqueza, Pier Giorgio Frassati tinha a alma franciscana da pobreza. Suas mãos não foram feitas para recolher, mas para distribuir e expandir. Sua alma não foi feita para possuir, mas para ver outros possuírem; suas obras menores e mais desconhecidas – e principalmente as mais desconhecidas – foram todas de consolação e piedade, tiveram a grandeza mais verdadeira e a estabilidade mais duradoura: a da bondade.

Estava engajado na vida fortemente, como se fosse homem feito, de uma solidez moral e correção de antiga tempera piemontesa: alma de criança em um caráter de semblante viril. Nas opiniões, nos conselhos, nos sentimentos, nos julgamentos, era de uma precisão moral tão absoluta, de uma equidade tão escrupulosa, de uma generosidade tão rica e segura, que os amigos o seguiam onde quer que fosse, com fé sem limites. O seu coração, assim como sua mente, era correto, de uma lealdade irrepreensível, incapaz de um só sentimento ou pensamento tortuoso ou incerto. Sua alma era como seu semblante, como seu olhar, como sua palavra, como seu acenar de cabeça que sim ou que não, sem segundas intenções, sem incertezas, sem necessitar minúcias sutis. Nisso, seu misticismo era de uma consistência individualíssima, mais única que rara, sem nada de nebuloso e de vago, com um propósito maravilhoso de senso prático, que não o deixava hesitar nunca nem o mantinha suspenso um instante entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, entre o que devia ou não fazer.

Caminhava na justiça com o mesmo passo transparente e seguro – sem rodeios, sem paradas, sem esmorecimento – com que o víamos caminhar pela rua, com que o víamos chegar entre nós, com que o imaginávamos pelos caminhos e trilhas das montanhas que tanto amava. Seu corpo e sua alma, entre cujos destinos sua consciência cristã colocava um abismo, pareciam ao nosso entender como fundidos em uma só expressão: o aspecto de seu semblante bastava para impedir as poucas palavras impulsivas de sua fala; sua fala era o espelho límpido de seu sentimento e de seu espírito.

Até os 24 anos, às vésperas de sua graduação em engenharia, os mais antigos da redação, aqueles que em tempos passados o tinham colocado nos próprios joelhos e o tinham levado pela mão a passeio pelas trilhas, jardins e colinas, o consideravam como o menino e a criança de um tempo distante: cada vez que o viam o cumprimentavam com uma ternura que dissoava de seu crescimento e estatura de homem. Também hoje, apesar de não o vermos mais, porém relembrando-o com a dolorosa vivacidade da memória, nos parece enxergar, por trás dele, uma luz desconhecida de sua infância: o nome Pier Giorgio nos fala sempre com o som carinhoso de um tempo passado.

Todavia, nenhum de nós, nenhum de seus amigos ignorava quais, se não quantas, eram as obras de piedade e caridade nas quais se empenhava por parte de seu dia. Ia em busca dos necessitados nos lugares mais afastados da cidade, subia pelas escadas mais angustiantes e escuras, entrava nos sótãos onde não havia nada além de miséria e sofrimento, levando o socorro que alimentava o corpo e dizia a palavra que consolava a alma. Tudo o que tinha no bolso era para os outros, assim como tudo o que tinha no coração; nasceu para dar, não vivia para si, era um cristão da fé e um cristão da ação, sabia viver na terra pela perspectiva mais alta que tinha da mesma. Seu misticismo era pleno de obras. Uma das ultimas coisas que deixou por escrito em suas ultimas horas, quando não podia mais exprimir-se pela voz, foi uma recomendação aos amigos do Circulo S. Vicente de Paula, para que se lembrassem de uma fórmula que estava pronta para as injeções em um pobre doente, e do recebimento de um penhor que deveria ser quitado. Sua morte será chorada por uma centena de pobres, sua memória é abençoada pelos humildes.

A dor pelo seu desaparecimento, que se pensarmos apenas como desventura, nos impediria de escrever e pensar sobre ele, é como que redimida em todos nós que o conhecemos, através desta memória que ele nos deixou de sua superioridade e beleza moral. Como em torno e atrás de sua pessoa, ele vivo, estava a luz da infância que o seguia, assim à volta de sua memória está a luz de sua bondade, está a beleza de sua fé, está a esperança que nele teve expressão precisa e continua a operar dentro de nós, nesta hora inconsolável, com seu conforto.

Fez o bem em silencio e nenhuma mão foi mais leve que a sua no ofertar. Disse em vida – e disso estamos seguros – apenas palavras boas e não restou por certo em qualquer ser vivo uma sombra, uma única sombra, de sua breve passagem pelo mundo. Este que é o maior elogio que se pode fazer a um desaparecido, não é mais que a humilde verdade diante dos despojos deste jovem.

Com a morte de Pier Giorgio Frassati, amor e orgulho da família, que dele teve o culto da mais terna devoção, na casa daquele que foi por tantos anos o nosso amado e ilustre diretor, entram um luto e uma dor que não podem ser consolados. A essa dor nos inclinamos reverentes, com muda piedade.

* Luigi Ambrosini (1883-1929), jornalista da “Stampa”, comentarista político e escritor, primeira testemunha do Pier Giorgio Frassati secreto, conta a crônica do funeral, fazendo com que a cidade descubra a figura e as obras do jovem (domingo, 5 de julho de 1925.

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