Giulio Loccatelli
Mais que na inquieta atmosfera de sua poesia, a Senhora Luciana Frassati soube encontrar, na aflição de seu espírito, um porto seguro e sereno, revivendo em si própria, e fazendo com que muitos outros revivessem, a recordação daquele seu prediletíssimo irmão Pier Giorgio, primeiramente com a publicação de um notável epistolário e agora com uma obra toda original e inédita, que vem a colocar um áureo sigilo à sua admirável e continuada fadiga de mais de um ano de pesquisa e investigações nos mais diversos ambientes de Turim. Tratava-se de salvar um precioso patrimônio procurando as testemunhas de mais de trinta anos atrás, que tiveram uma certa familiaridade com o jovem aluno do Politécnico e que poderiam depor, como por uma atitude sagrada, sobre a sua multiforme atividade de herói da caridade cristã. Tarefa árdua e certamente mais apropriada a ‘fortes ombros’ que ao empenho de uma mulher, mesmo que de máxima boa vontade, que não fosse a bondosa irmã, paciente e tenaz até o sacrifício, da singela estirpe dos Frassati. Passo após passo, mesmo atrás de tênues vestígios de um nome, ei-la a reconstruir todo um longo itinerário de amor atrás das pegadas daquele irmão: pelas salas universitárias, dentro das lojas, ao longo dos corredores dos hospitais e das internações, nos escritórios dos homens de cultura, nos conventos, nas guaritas dos edifícios, nos gélidos telhados, onde quer que alguém pudesse dizer algo sobre ele no exercício preferido de ajuda aos que sofrem, aos desprezados da sociedade. Que itinerário precioso e qual revelação! Vieram à tona centenas de particulares ignorados e agradabilíssimos, todos autênticos e destinados a serem minuciosamente lidos e meditados, não somente por aqueles que nas Conferências de São Vicente de Paula, onde Pier Giorgio encontrou a sua apaixonada palestra cotidiana, dedicam-se de maneira especial ao exercício da caridade.
Refletindo um pouco mais, parece que a Senhora Luciana imitou o postulador da causa de um Bem-aventurado no recolher tão minuciosa messe de vivas documentações, muitas vezes esquelética, e por isso, eficacíssimas em sua concisão e sinceridade. Alguém disse que o jovem “tinha todos os requisitos para ser um santo: amor a Deus e amor ao próximo.” Um outro adicionou: “A sua virtude pareceu-me sempre heróica. Sabia-se que pertencia a uma das famílias mais abastadas de Turim e vinha até nós unir-se aos pobres, escondendo sempre aquilo que fazia de bem. Para nós Pier Giorgio era um santo.” Mas um santo alegre, animado, de larga visão, amante das escaladas em montanhas, que “fazia o bem pela alegria de fazê-lo” e que mostrava-se habitualmente “preocupado com a miséria e a necessidade dos humildes. De fato, era uma exigência sua sê-lo – assim diz Paolo Gandi –e não uma atitude de sua própria vontade.” Aos seus encontros quase diários com a caridade – era assíduo do Cottolengo, do leprosário, das Pequenas Irmãs – apresentava-se de maneira senhoril e, ao mesmo tempo, desembaraçado, alegre, cortês. Bastava olhar, para ver com que graça materna acariciava as crianças pobres e esfarrapadas, e como, entrando nos casebres da periferia de sua Turim, logo tirasse o chapéu e estendesse amigavelmente a sua mão àqueles que vinham-lhe ao encontro temorosos: aquelas pessoas quase nunca vieram a saber quem fosse aquele distinto senhor que sentava-se no leito dos doentes e tomava nota de todas as necessidades da família.
Há quem se recorde, com comoção, de como ele sabia submeter-se, sem demonstrar o mínimo embaraço, aos mais baixos trabalhos de assistência, até mesmo higiênicos – a epidemia de 1918 multiplicou tais atos exemplares ao infinito – rico de todas as formas de caridade, ao dizer do Frei Giocondo: “da palavra ao gesto que conforta até ao ponto de ajudar-te a descer um degrau, manifestação e forma dificilíssima arriscando, a cada momento, de cair em uma etiqueta superficial.”
De resto, tendo aprendido ainda criança, quando, não tendo outra coisa, tirou os sapatos e as meias para dá-los em esmola, Pier Giorgio obedecia ao difícil mandamento a ser realizado: “em todos os momentos estar ao seviço dos pobres.”
Graciosíssimos episódios referem-se a Pier Giorgio em seu transformar-se, várias vezes, – a propósito tem quem o definiu muito bem – em uma “sucursal de agência de transportes” e carregando-se de pacotes e lenha, como um animal de carga (é a observação de Camilla Rivetti) atravessando, sob aqueles trajes de carregador, as ruas principais, sem olhar a ninguém. Um dia o redator do “Stampa” admirou-se ao vê-lo puxando um carrinho pela rua: fez de conta de nada, mas depois ao reencontrá-lo na redação do jornal de seu pai pediu explicação. “Como? Não viu? – responde sagazmente Pier Giorgio – Aquele pobre velho que não aguentava puxá-lo em meio à gente?”
Esse puxar carinhos, seja para transportar coisas a serem entregues nos dias de visita, seja para ajudar aos pobrezinhos que tivessem que desalojar os utensílios de suas pequenas habitações, é um dos aspectos mais característicos do ânimo piedoso de Frassati contra o respeito humano, em uma sincera independência de caráter, ao ponto de ser chamado por Giovanni Grippa de “o santo da estrada”. Precisava tê-lo visto nos dias próximos ao Natal e à Páscoa: documentam as testemunhas que a sua atividade tornava-se “frenética”: pacotes sobre pacotes, frascos de vinho, peças de vestuário, roupas, Pier Giorgio transformava-se em um armazém ambulante, o contente carregador dos indigentes.
No Natal de 1924, assumiu sozinho a tarefa de socorrer nove famílias. Quem o aconselhava de usar, para as viagens, que na maiorias das vezes eram longas, o automóvel da casa, teve por resposta que seria um humilhar os pobres: andava, portanto, sempre a pé, dando de esmolas o dinheiro que guardava para tomar o bonde.
Seria, agora, um alongar-se demais enumerar as taxas escolares, as contas de gás, as receitas médicas com as suas “entradas”, certamente não tão elevadas, sem contar o enorme acúmulo de correspondências para procurar empregos, para recomendar todos aqueles que a ele recorriam confiantes naquele acolhedor convite. Ele não tinha hesitações para com eles e se, por acaso, percebia que certas pessoas que viviam na miséria não estavam realmente dispostas a procurar um trabalho e ali permanecer, cortava o assunto dizendo que “a caridade é sempre bem feita e sempre pronta a produzir os seus frutos, mesmo que se as pessoas que a recebem ou as que a exercitam não sejam dignas.”
“Il Giornale d’Italia”, 28 de fevereiro de 1952.