Giovanni Luciano
Eu vi Pier Giorgio Frassati. Pode parecer um paradoxo, após cinqüenta e cinco anos de sua morte, mas é uma bela e consolante realidade. Naquele chuvoso 31 de março passado – que muitos se recordarão pelo perigoso elevar das águas do Rio Pó a níveis de alerta – fui, com outros membros do Tribunal Eclesiástico pela causa dos santos e os peritos médicos, ao Cemitério de Pollone para proceder ao reconhecimento judicial dos restos mortais do Servo de Deus Pier Giorgio Frassati. Esse ato jurídico põe fim à instrução de todo processo apostólico de beatificação e canonização.
A longa “familiaridade de vida”, que instaura-se com um servo de Deus, durante os longos meses de instrução, na qual a principal preocupação torna-se o falar sobre ele, o investigar a sua vida para aprofundar o conhecimento, para aperfeiçoar as linhas de sua real personalidade, para descobrir todos os lados do caráter, os talentos, as virtudes, torna-o tão próximo, tão familiar, que acaba por criar entre nós um relacionamento de verdadeiro afeto. Ele torna-se para nós uma pessoa querida. Por isso, quando da abertura do caixão apareceu-nos o seu corpo, mais ou menos devastado pelo natural processo de mineralização, mil pensamentos e sentimentos afloraram em nossa mente e em nosso coração. O meu encontro com Pier Giorgio no Cemitério de Pollone superou em intensidade e comoção a todos os outros meus encontros do mesmo gênero.
Aberto o caixão, muito bem conservado e ainda protegido pelo lacre da cidade de Turim gravado na negra cera encontrada intacta, tirado o tampão acolchoado de algodão coberto por um lenço finamente orlado, que cobria a cabeça, o seu rosto apareceu-nos extraordinariamente conservado e reconhecível. Era o Pier Giorgio que tinha-se me tornado familiar durante o decorrer do processo. Tive logo a impressão de sempre tê-lo conhecido, de tê-lo já visto no passado, de ter repartido com ele alguns momentos de minha vida. E a busca das provas testemunhais e documentárias da autenticidade do seu corpo, objeto do reconhecimento e até então perseguida, pareceu-me totalmente supérflua. A prova estava ali, a prova era ele. Após decorrerem tantos anos do falecimento, encontrei-me sempre com corpos sem rosto, cuja cabeça era constituída somente pelo crânio ósseo e, para mim, era fadigoso, com a fantasia e a memória, tentar a reconstrução das feições, apesar de serem já conhecidas por mim através do longo exame da abundante documentação fotográfica.
Pier Giorgio, ao invés, estava ali. Com o rosto um tanto mumificado, mas ainda demonstrando beleza e juventude. Os olhos abertos e quase sorridentes, mesmo na inevitável exsicação dos globos oculares. A boca configurada em um pálido sorriso, que iluminava toda a face com uma composta serenidade. O queixo volitivo, sua característica, poderia até se dizer que tinha acabado de barbear-se, pela suspensão do desenvolvimento nos pêlos da face. Os densos cabelos castanhos ainda compostos e ordenados. Ao redor da cabeça e dos ombros, os restos reconhecíveis de três orquídeas, testemunho de um último gesto de amor. Na gola o seu distintivo, aquele distintivo católico que ostentou sempre e em todos os lugares, nos cortejos, nas procissões, nas fábricas, nas salas universitárias, no Politécnico, sinal de sua imensa fé e de sua coragem cristã. As mãos ainda macias, recoberta de pêlos, com os dedos entrelaçados na habitual atitude de oração, ligados ainda pelos fragmentos do terço feito de grãos escuros, um dos tantos que ele mesmo fez, depois de ter cultivado essas sementes em seu jardim e que, muitas vezes e com prazer, dava de presente aos amigos convidando-os a rezar.
Enquanto contemplava Pier Giorgio o meu olhar de vez em quando dirigia-se à sua irmã Luciana e aos sobrinhos, que rodeavam o caixão: Elena, Wanda, Alfredo, Giovanna, Maria Grazia; Jas Gawronski, o último sobrinho, que ficou em Moscou pelos graves compromissos de trabalho (é jornalista da RAI), estava ausente. E em minha mente impunha-se uma inevitável comparação entre eles e ele. E pensava comigo: “Eis que a irmã menor e os sobrinhos, nascidos depois de sua morte, o superaram enfim, em idade. Daqui uma semana Pier Giorgio cumpriria oitenta anos. Qual seria o seu aspecto? Qual a sua posição social? Qual a sua intensidade de vida religiosa? Quem seria hoje Pier Giorgio Frassati?” Todas perguntas ociosas e sem possível resposta porque, hoje, Pier Giorgio tem ainda vinte e quatro anos! O seu aspecto hoje canta a eterna juventude que o Senhor concedeu-lhe como prêmio por sua virtude e pelos seus sofrimentos.
Não sei mais quem escreveu que cada um de nós “tem a idade de sua própria alma.” A alma santa tem a idade de Deus, que de alguma maneira a absorve em si, de um Deus jovem e sem idade, porque vivente sem fluir de tempo, de um Deus dono da eternidade. Essa eterna juventude Deus doa aos seus santos. Disso tive a certeza contemplando, com afeto, os restos mortais (nesse caso me repugna usar essa palavra) de Pier Giorgio. Ele terá sempre vinte anos, bonito de uma beleza que foi maximamente interior, mas que, ainda hoje, transparece em seu corpo extraordinariamente conservado.
Para ele, mesmo sobre esta terra, a vida continua trâmite aquela fama de santidade que projetou-o na história e aproximou-o às honras dos altares. Quase profética soa a frase que se lê sobre a sua inscrição: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (Lc 24,5).
“La Voce del Popolo”, 12 de abril de 1981.